Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Um livro quase mesto

Era uma vez um livro que nasceu vermelhinho, vermelhinho.

Desde pequenino, causou um certo desconforto. Apesar de ter sido elaborado com muito carinho, amor, pesquisa, critério e cientificidade, ele parece que nasceu para ser esquecido.

Abriu uma clareira, mas nem assim agradou.

Primeiramente, o tema o abandonou como a mãe, insegura, deixa um filho seu na porta alheia. O seu tema não deu valor para seu jeito de ser, embora tenha sido benquisto entre doutores e mestres na disciplina.

Mas o apoio professoral, em vez de ser visto como um incentivo alçou mais um não.

- O que será que acontece comigo? – se perguntou, entristecido.

Aí o tempo passou, os dias e noites cobriram as dúvidas em Camelot e o drama do Rei Artur seguiu o percurso dos acontecimentos. Traído por Guenevere que se apaixonou pela força e a divindade de Lancelot, o Rei Artur se perguntava:

- Amo-os e eles me retribuem com sofrimento...

Mas o sangue é mais grosso do que a água. A angústia da verdade, o amor proibido, a dúvida entre ser caça ou caçador, o pensamento de peixe, o vôo do pássaro, como ser feliz e perverso ao mesmo tempo, como a vingança pode triunfar sem medo...

O livro se perguntava:

- Que amor incompreendido... Iludido... Será mesmo a vingança a mais fatídica das causas?

O livro se olhava no espelho e via o perdão.

Decidiu continuar o jogo.

Então surgiu a chance de uma nova aparição e disseram a ele que precisava conversar com os cavaleiros e as estrelinhas da Távora Redonda. Decidiu fazer o jogo. Afinal, não lhe restava alternativa no momento.

Conversou com estrelinhas grandes e pequeninas, com a autoridade mor, com seu tema e outros cavaleiros da corte. Palavras ansiosas, porém vazias diante dos ouvidos moucos. Dos amigos, teve sim o apoio, mas eles não foram suficientes. Talvez tenha pecado pelo ruído na comunicação...

O livro encheu-se de promessas, indiferenças, incertezas e palavras confusas. Vivificou-se como vinho, tornou-se mais rubro.

As cartas estavam postas. Era ganhar ou perder. Deixou a decisão nas mãos de Deus.

O livro só ficou sabendo das histórias que o povo conta.

Enigmático, ele decifrou códigos, construiu verdades, sustentou virtudes, resgatou fatos esquecidos, mas mesmo assim foi ignorado por seu tema que seria, em tese, seu maior aliado...

Depois de semanas de expectativas, veio o resultado da corte: novo veto. Rejeitado pelo crivo.

Mas isso já era esperado, pois, no fundo, ele foi abandonado pelo seu tema...

O livro vermelhinho ficou quase mesto.

Ele já ouviu, à boca pequena, os motivos do seu abandono, mas não sabe ao certo se a inveja, o insano, o irracional, a presunção e a falta de ouro se sobrepõem ao ineditismo.

Ele só sabe as histórias que o povo conta.

Mas o Rei Artur, mesmo diante da batalha mais sangrenta, viu a esperança renovada em um garoto quando esse lhe disse que queria ser um cavaleiro e teria muito orgulho em defender o Rei.

Lancelot e Guenevere já tinham pedido perdão pelo pecado e não queriam esconder mais a grandeza de seu amor.

O livro vermelhinho refaz as idéias. Talvez o rumo esteja incorreto, pois, ele próprio sabe escrever um outro grande relato de sua própria sombra e outra narrativa maior ainda de sua luz irradiante.

O livro vermelhinho adquiriu as virtudes e fraquezas humanas e, por isso mesmo, ele ficou quase mesto.

O que ele fez será lembrado além das fronteiras. Pode ser apenas uma gota no oceano no momento, mas até o sertão um dia foi mar.

O que Deus faz, o demo não destrói.