Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A face utópica de um balanço

Ele preferia os dias de calor porque as crianças se divertiam bastante e assim o tempo passava alegremente.

A felicidade, na frígida e gélida condição ferrosa, era ver os pimpolhos bem à vontade, se revezando e alguns exibindo uma performance ousada, destemida.

Sob Sol escaldante, a pintura dava lugar a um bronzeado descascado...

O seu pequeno dono ficava em pé nesses embalos fortes, seguro de si.

Então lhe vinha à mente Virgílio, em Eneida: “A sorte favorece os destemidos”.

E a dura realidade também: um tombo seguido de choro dolorido...

O garoto gostava de conversar com seus brinquedos em seu mundo de criança.

O balanço não ficava de fora.

Chamava-o “gafanhoto” pela semelhança e hastes compridas...

- “Gafanhoto”, você viu... O vizinho balançou forte e quase se esborrachou no chão... Ele quis pular do alto e por pouco não caiu de barriga... – rindo da peraltice. Da última vez que fiz essa loucura quase quebrei o nariz...

Com o garoto balançando num ritmo gostoso e manso, o “gafanhoto” era todo ouvido.

Quando lá dentro da casa a bronca sobrava para o menino, era no balanço que ele ia se consolar:

- A minha mãe está brava comigo porque as minhas notas no colégio não estão boas... Ela diz que estou respondão e me demorando no computador com jogos e conversas bobas, que isso é desperdício de energia e não me leva a bom lugar. Mas ser livre é poder fazer o que eu bem entendo, não é “gafanhoto”?

Os dois ficavam à guisa, à mercê do devaneio.

Passavam alguns minutos, o garoto voltava a falar:

- Sabe... Eu acho que queria ser igual você. Sem pai, sem mãe para dar satisfações, só brincando com a gente, sem ter que tomar banho, livre e dando essa sensação de quase poder voar...

O balanço concluía: neste particular, é difícil admitir as coisas como elas são.

Um garoto, cheio de vida, doces, podendo correr para todo lado, pular muro, andar de bicicleta, jogar bola, fazer traquinagens, com computador em casa, amiguinhos bacanas, com um novo carrinho de controle remoto como presente no Dia das Crianças, querendo ser brinquedo de ferro como eu que posso virar sucata logo, logo? Será que ele não percebe que estou preso ao chão, fico solitário nas noites, que eu não sou nada? ...

Ah! Se eu falasse a língua dele o convenceria das maravilhas, das vantagens, das delícias de ser criança, isso, lógico, num lar sadio porque existem lares péssimos por aí afora.

Se fosse permitido “matar” no homem tudo de ruim e se deixasse florir apenas as coisas belas, assim, num toque de mágica, seria muito bom...

O garoto se cansava de conversar com seu “gafanhoto” e ia se divertir com outra coisa.

O primeiro divã começa no balanço das idéias.

Nunca se sabe quantos mais surgirão pela frente...