Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O homem, ao longo da história, tem feito muitas coisas erradas.

Mas tem feito coisas boas também.

Basta lembrar que Jesus Cristo, um dia, foi carne.

Com essas palavras eu tento falar sobre Harrison de Figueiredo. Crônica ou fagulha semelhante do pós-morte é haurir.

Ninguém me viu no velório.

Contento-me com ralas boas lembranças e palavras de amigos.

Para quem não mora em Dourados, a chave: Harrison de Figueiredo, advogado, revolucionário, político, partidário, o único homem, aqui, a colocar flores na estátua de Getúlio Vargas.

Tem muito mais atributos.

Para quem mora em Dourados e conhece pelo menos um pouquinho da história local, não há o que dizer. Ou melhor, há tanto que esse tanto me enche de dúvida porque é difícil esboçar um fio dental.

Resta-me, então, apenas remover o vento do pensamento.

Ele não gostava de ser jibóia.

Mandava ir pentear macaco quem o chamasse assim.

O pai, Antônio Emílio de Figueiredo, pegava cobras com a mão. Dominava-as. Colocava-as no bolso. Isso é incrível, forte, não é banal.

É com honestidade e o pulsar das palavras que me recordo dele impondo voz eloqüente e professoral, defendendo ideais, propostas de melhora.

Já que não podia iniciar uma revolução estrondosa, exorcizou os fantasmas da prefeitura em 89, defendeu os direitos humanos, tinha, ou melhor, tem aula de sobra para dar. Quis seguir Che Guevara, foi preso em 64, tinha fobia por ambientes fechados.

Exercitava a história como as folhas dos Ipês caindo nesta época do ano.

Mas o que eu mais me lembro é dele colocando flores na estátua e das conversas intermináveis.

Como era bom tê-lo por perto. A insegurança diminuía.

Ulisses Guimarães disse que não desejava virar estátua. Não queria os pássaros fazendo titica na careca.

Mas o Harrison depositava flores.

Ziraldo deu a fórmula para tornar as pessoas menos infelizes. É só plantar flores, em todos os lugares.

A flor traz felicidade.

Bernardino Bezerra seleciona florestais conforme a sensibilidade em relação às plantas. Se não houver mimese, não adianta.

O rapaz apaixonado manda flores.

Buda, quando nasceu, foi cercado por uma névoa de pétalas.

Jibóia é uma planta trepadeira, de raízes adventícias.

O poeta vê na flor o caminho da abelha.

Como era gostoso entrevistá-lo, hauri-lo.

Ele disse que foi escrivão do Benedetti.

Como era admirável fluindo com palavras em seu vocabulário rebuscado.

Eu lembro-me das flores na estátua.

Um dia após sua morte, duas jovens subiram à tarde no piso do Getúlio, com um vaso de flores ao lado, para tirar fotos.

Hoje, você, meu caro velho amigo, deve estar andando pelo jardim.

Getúlio está por aí? Que pergunta idiota...

O homem é como uma flor. Nasce bonito, cresce mais bonito ainda, embeleza com a sua exuberância e depois entristece com a secura.

As rosas carregam espinhos.

As flores devem ser minúsculas gotas do choro de Deus.

Eu lembro-me das flores na estátua.

Quanta luta, quantos embates, quantos sonhos, quantos estudos para se chegar ao Pantheon, quanta doçura em vida para mostrar que o amargo pode ficar para depois.

O homem é maior que a flor ou a flor é maior que o homem?

O homem bom demora mais a sair da caverna abençoada.

Eu quero saber quem vai, agora, colocar flores na estátua?