Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O sino da escola

Joãozinho era um menino maroto. Durante as aulas, passava a maior parte do tempo conversando e só se continha, por alguns minutos, quando o professor lhe chamava a atenção. Sempre se sentava no fundo da sala, de onde jogava pequenas bolinhas de papel nos colegas, vivia pedindo lápis e apontador emprestados e só prestava atenção nas aulas de geografia e história porque sonhava em conhecer locais diferentes e achava o mundo de antigamente mais divertido.
Sentava-se ao lado da porta da sala e quando batia o sino para o recreio e para o final das aulas, era o primeiro a sair correndo pelo corredor, doido para se ver livre daquele martírio diário. A peraltice era uma forma de abusar da liberdade.
O professor de Matemática, alto e forte, com estilo militarista, não gostava daquele jeito apressado do Joãozinho. Exigia que todos se levantassem quando ele entrava na sala e os alunos só podiam sair depois dele. Não queria nem um pio durante as explicações. O menino maroto era uma ameaça à sua autoridade. Como se não bastasse a matéria chata, esse professor não se importava se era simpático ou não com a turma.
Certo dia, Joãozinho saiu correndo após o sinal e o professor chamou em tom ríspido: “Mocinho, mocinho, mocinho...”. O garoto já tinha dobrado o corredor e corria pelas escadas. Fez-se de surdo.
No dia seguinte, a reprimenda. O professor não chamava ninguém pelo nome, apenas “mocinho” ou “mocinha”. Uma vez, uma colega negra reclamou que um garoto tinha chamado-a de “preta”. Ele respondeu: “Então chama ele de branco!”, arrancando gargalhada da turma.
Aproximou-se de Joãozinho e disse: “Você fez uma coisa muito feia ontem (...) você não pode sair correndo pelo corredor daquele jeito (...) você precisa respeitar o professor...” O aluno ficou meio ressabiado, mas teimoso como uma mula, continuou correndo como um cachorrinho livre das coleiras. Só não fazia isso nas aulas do “moção”. O garoto queria ser o primeiro a chegar em casa, jogar o material da escola em um lado, tirar o uniforme e pegar a bicicleta para brincar no pouco tempo de claridade que ainda restava na tarde. Era o sabor da liberdade, essa coisa valiosa que, ao lado da saúde, a pessoa só vai dar importância quando a perde.
Joãozinho nunca teve as melhores notas, todos os anos ficava para o exame final. Nunca reprovou, mas passava raspando. Esforçava-se apenas para tirar o mínimo necessário e deixava o resto da energia para brincar. Era um garoto com a felicidade estampada no rosto e não era disciplinado tanto em casa como na escola. Mas não era mau. Apenas abusava da liberdade.
Um dia foi deu de cara com o diretor no corredor e acabou suspenso por deliciosos três dias. Há muitos iguais a ele nas escolas, mas poucos professores de Matemática como aquele. No dia da formatura, os dois se encontraram e deram boas risadas, mas o representante do cateto da hipotenusa continuou aconselhando: “mocinho, não faz isso, não faz aquilo...” Joãozinho pensou: ainda bem que a liberdade não enche o saco.