Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O MST, a mídia e o livro da Isabela

Luís Carlos Luciano*

 

Em primeiro lugar, agradeço o convite da autora para escrever esta crítica. Tema fascinante e controvertido que por si deixam o verbo em estado de arrebatamento.

É uma responsabilidade e tanto, desafio porã.

Em segundo, felicito-a pelo trabalho muito bem feito, pela pesquisa fluente, forte e envolvente e, principalmente, pela coragem em lidar com questões díspares e expor, em parte e com cautela compreensível, a ante-sala dos bastidores da atividade jornalística e o pensamento dominante dos dois mais antigos jornais do Estado, O Progresso e Correio do Estado cujas opiniões políticas e ideológicas não são novidades para os leitores, embora nem todos comunguem com a mesma idéia.

Agora, vamos ao que interessa.

Digo ante-sala porque aqui vamos adentrar pelo menos mais um pouquinho no recinto tendo a mão um candeeiro e o espírito da independência. Invasão de palavras e conceitos democráticos representados pela convicção de quem é do meio, ou melhor, de quem é proletariado do meio jornalístico.

O drama dos sem-terra em Mato Grosso do Sul, como mostra “Quando o MST é Notícia”, de Isabela Schwengber, evidentemente que não seria tratado de forma positiva pelos dois jornais pelo simples julgamento de classe que eles historicamente desenham não somente em relação aos excluídos da terra, mas com os demais excluídos também. São duas empresas alinhadas com o discurso da elite dominante e por tabela, dos políticos menos comprometidos com a ideologia progressista.

Portanto, não se pode esperar simpatia diante das reformas sociais que lentamente se processam apesar de todo o sofrimento.

Mas, a película dramática de Alan Parker em “As Cinzas de Ângela” nos ensina: é a miséria que conduz a uma vida de fortes emoções!

O pensamento vazio e ocioso, às vezes sombrio, fútil e fossilizado pelo capital e pelo consumismo, com exceções, na outra ponta, não costuma construir a igualdade social e econômica, embora não lhe falte condições e muito menos lastro para isso.

Ninguém consegue conter as lágrimas de um coração sofrido, convertidas em soluços pelo instinto orgânico de injustiça, e nem, por outro extremo, sua vontade descomunal para agregar, convencer consciências e fortalecer a reforma, nem o chumbo!

A história da humanidade por justiça, liberdade, fé, contra a fome, pela terra e igualdade é um rio incessante de sangue...

A riqueza analítica e o acervo de dados apresentados no livro de Isabela conduzem a essa conclusão.

Uma vez sendo aberto à opinião pública, o livro poderá despertar dissabor e, talvez, a reprovação daqueles cujasalvez,terraomeecer a reformaade social vigrado e montam seus barracos vem de novo a longa e bendita espera pela ajuda oficial p rédeas curtas tentam protagonizar o status quo.

Mas, felizmente, a comunicação tem caminhos alternativos e a construção das realidades é uma obra de responsabilidade social, política e intelectual que nunca acaba. Uma mentira até pode ser tomada como verdade quando dita muitas vezes, mas jamais o certo será absolutamente sepultado.

É chegado o momento cara Isabela, de sentir o frio da crítica dos demais, embora já deva estar preparada a isso, e não do meu doce verbo de condescendente licor de contribuição acadêmica...

O enfoque do MST a partir do noticiário e principalmente na parte relativa ao O Progresso se deu justamente no período em que eu era editor-adjunto do jornal. Então, sou testemunha daquele momento e em determinada proporção responsável por parte dos valores negativos identificados. Poderia ter tentado intervir mais e contra-argumentar mais para uma leitura melhor dos fatos, mas é difícil se impor à política da direção porque ela o mantém ali, naquela função, justamente para defender os interesses dela e não dos movimentos que buscam melhor lugar ao Sol.

A autora aborda bem esse aspecto nas p. 24 e 25.

É simples, a relação patrão-empregado não tem lero-lero, independente de ser ou não uma empresa jornalística, pelo menos nos rincões de Mato Grosso do Sul.

Há limites, limites que a consciência mais cedo ou mais tarde cobra, como ocorre nesta resenha.

Não comungo, no contexto da questão, com a citação na p. 32 com base no pensamento do professor Nilson Lage, segundo a qual o nome do redator da notícia significará pouco para quem lê ou ouve o noticiário. Se assim fosse, que credibilidade teria escritores e jornalistas? O nome é um diferencial precioso!

Os leitores, desejo crer, avaliam a informação divulgada a partir da competência, talento, esperteza, visão política e força dissertativa de quem a assume com aquilo que lhe é caro: a assinatura! O dono assina o jornal, mas não tem a propriedade intelectual da matéria escrita pelo jornalista.

Sala de redação, invariavelmente, é uma feira de ambigüidades...

É uma característica no jornalismo pós-moderno como no de outrora.

A autora deixou de citar no livro e se citou peço desculpas por não ter percebido, uma informação básica: nos dois jornais consta, no expediente, que eles não se responsabilizam por artigos assinados – uma matéria com crédito do seu próprio repórter pode ser entendida como um artigo caso seja contestada judicialmente. O Progresso deixa claro que só se responsabiliza pelo editorial.

Em O Progresso o repórter responde por sua matéria, mesmo se levado à Justiça, embora a pena pecuniária e de retificação acabe sempre caindo sobre a empresa porque como se tirar vinténs do pobre e subordinado repórter que cometeu um erro involuntário ou por interesse difuso?

Eu escrevi o editorial de O Progresso por vários anos, talvez a maioria dos citados no livro por Isabela, mas todos só iam adiante com o crivo e rubrica da patroa. Antes de fazer o texto, quando era possível, tínhamos uma breve conversa para se pontuar o que ela desejava expressar. Portanto, o editorial era dela e não meu.

Notei que a autora talvez tenha deixado de enriquecer a obra quando não ouviu alguns dos autores das notícias relativas ao MST, se atendo apenas à direção e ao chefe de redação. Isso é pouco para quem conhece a realidade de um jornal porque o antagonismo é um jardim florido com muitos espinhos nessa casa...

Observei também a falta de depoimentos de sem-terra sobre o que eles acharam sobre esta ou aquela notícia, até para contribuir para o contraponto, pois, resguardadas as devidas proporções, a dissertação de um livro de jornalista sempre é uma grande reportagem, embora saiba que a autora teve um orientador, obras referenciadas e dúvidas que naturalmente permeiam um trabalho dessa envergadura...

Fiquei surpreso e feliz quando me vi no meio do turbilhão verbal, p. 115-116-117-119-120 e 129, quando Isabela citou reportagem feita pelo jornal O Progresso no acampamento de Itaquirai, em 1995, o maior do Estado naquela época.

Além da citação do artigo da professora Ceres Moraes, UFMS/UFGD, publicado no próprio jornal em repercussão à matéria, considerando que pela primeira vez um órgão de imprensa havia tratado o problema com independência, Isabela realça, com base na reportagem, os aspectos organizacionais do acampamento de forma positiva.

Nem me recordo se assinei ou não a reportagem porque na obra não há menção, mas lembro-me que escrevi uma página ou mais de jornal, que eu e o repórter fotográfico Ramão Carlos viajamos até o local para o sepultamento de uma criança morta por desnutrição no acampamento, e que, quando chegamos cansados no início da noite, a patroa me disse que se soubesse que era para cobrir os sem-terra ela não teria autorizado à viagem... Isso porque havia sido informada pela manhã sobre a pauta...

Hoje nem trabalho no jornal e passados quase 15 anos não me esqueci disso.

Não se trata de cobrança pessoal, me perdoe se gero essa conotação, mas a intenção é relatar como um assunto importante foi relegado ao segundo plano na óptica da direção...

Pelo menos posso dormir com a consciência tranqüila...

O conteúdo do livro, no entanto, suplanta esses pormenores.

A obra é uma valiosa fonte de pesquisa. Sei também que todo trabalho desse nível não se dá por concluído. O tema continua atual, fluente e polêmico, podendo ser retomado a qualquer momento.

Espero que meus colegas jornalistas não deixem de lê-lo e fazer suas próprias reflexões, conjeturas e autocríticas.

Quem se sujeita a ficar dias a fio, anos a fio embaixo de um barraco de lona preta em que o orvalho penetra nas noites frias, é mais herói que baderneiro, é mais comprometido com a solidariedade humana. E quando conseguem seu pedaço de terra sagrado e montam seus barracos vem de novo à longa e bendita espera pela ajuda oficial para começar a produzir algo economicamente viável.

Lógico que não há só santos nesse meio, que há aspectos inaceitáveis dentro do MST.

Respeito, como não poderia ser diferente, a opinião contrária, mas desejo que a representação da realidade a favor dos sem-terra seja sempre dita e repetida como uma canção porque a distribuição justa de terra é fundamental para se amenizar os graves problemas sociais, econômicos, conjunturais e ambientais deste País.

Quem se presta a pesquisar exaustivamente um assunto tão apaixonante como este e põe sua obra ao julgo coletivo não pode ter outro compromisso a não ser com a verdade, doa a quem doer.

Isabela, que Deus a abençoe pelo trabalho humano e precioso deixado como legado.

 

 

·                     O autor é jornalista, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais na Região da Grande Dourados e autor dos livros “O Fenômeno Diário MS – 10 anos de um sonho que está dando cada vez mais certo” (2003); “O Formidável Cel. Marcondes – História de um herói de guerra” (2005, no prelo); “71 Anos do Legislativo de Dourados” (2006) e “Ribeiro: Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente – Exercício de Cidadania” (2008). Trabalhou por quase duas décadas em O Progresso e atualmente atua no www.douradosinforma.com.br

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