São Pedro que se cuide...
Luís Carlos Luciano*
Nicanor Coelho foi um escritor notável no contexto regional. Versátil, elétrico, eclético, controverso, dedicado, atento, ativo. Até parece que não dormia. Arrisco dizer ter sido o acadêmico que mais produziu coisas (não só livros) em nível local. Se não tivesse ido aos 52 teríamos ainda mais feitos a elencar, certamente. Ele não parava.
Conheci-o muito bem. Trabalhamos juntos no Jornal O Progresso. Eu, sete anos mais velho quando o conheci. Às vezes era confuso compreendê-lo, mas basta revisitar a sua obra para se concluir que se trata de um artista talentoso.
Sou autor do primeiro e talvez único artigo científico sobre seu trabalho como pré-requisito para conclusão do curso de Pós-Graduação pela UFMS. A Rosana Cristina Zanelatto Santos, coordenadora, me propôs a feliz ideia e eu prontamente a abracei.
No início dos anos 2000 ele me presenteou com um site para divulgação dos meus escritos, o www.luiscarlosluciano.com.br mantido até hoje. Por aí se vê o espírito altruísta do prezado amigo.
Como se não bastasse a vasta produção literária, algo em torno de 14 livros se não me engano, ele deu o primeiro ponta pé para criação da Academia Douradense de Letras (ADL); criou a Revista Arandu para publicação de trabalhos científicos; a Editora Camaleão; editou dezenas de livros para outros escritores tornando o sonho dessas pessoas em realidade; deu visibilidade aos invisíveis; manteve a Barraca do Escritor em frente do Hospital da Vida; além de promover eventos, cursos, enfim, e tudo isso sem abandonar o jornalismo e a assessoria política ou empresarial para se sustentar.
Tem alguém até então mais produtivo?
O conjunto de sua obra é uma busca constante por significados, sonhos, esperanças, lirismo, surrealismo, realismo, fantasia, dúvidas, conclusões apressadas a acertos de coruja, pois, enxergava o que outros não viam. Tinha sede por saber e produzir, produzir...
Um Artur Rimbauld local, um Dom Quixote, um herói...
Essa homenagem que a ADL faz ao Nicanor por ocasião dos 32 anos da academia lembrando também os outros doze acadêmicos já falecidos é justa. Um reconhecimento merecidíssimo. Um tributo digno de elogios. Parabéns à diretoria pela iniciativa.
Ele tinha uma vontade insaciável por vida, prosa, poesia, em estar em todos os lugares ao mesmo tempo, em fragmentar-se em “nicanores” para não perder uma boa prosa. Era, a meu ver, uma alma intensa, dinâmica, inquieta, inteligente, contemplativa, empática, chata às vezes, de fácil e difícil entendimento. Um artista das letras quase completo e virado do avesso.
Já deve ter convencido São Pedro a escrever suas memórias. Ô se não!
* O autor é jornalista e escritor. Membro da ADL, cadeira 34. Crônica publicada no livro comemorativo dos 32 anos da ADL lançado em 2024.