Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O homem que atacava pedras na rua

Era uma vez um velho, não muito velho, que atacava pedras na rua. Já tinha se aposentado, conseguiu um emprego modesto no estacionamento, onde cuidava dos carros, controlava a entrada e a saída, dava tchau para todos.
Uma figura simpática, sorridente, criteriosa e com o andar dos dias acabou ficando amigo do Fernandinho, um vendedor de carros cujo ponto era justamente em frente do estacionamento. Os dois brincavam trocando palavras afáveis. Um tirava sarro do outro e assim passavam o dia, da manhã à noite, com o velho muitas vezes palpitando nos negócios do companheiro. Sempre é bom ouvir a voz da experiência.
Ficou amigo de outras pessoas. Os clientes consideravam-no, cada qual à sua maneira. Ia atrás dos amantes da loira gelada quando eles ficavam no bar e se esqueciam da hora de fechar os portões.
Soltou galinhas no fundo do terreno, plantou cana, batatinha, chuchu e capinava a tiririca pelo menos uma vez por semana. Aquela era a vida dele, cuidar de carros parados, ver as mesmas pessoas todos os dias e cuidar para que ninguém atrapalhasse a saída do outro.
Saiu correndo atrás do gato que jantou o pintinho da galinha e ficava observando, ressabiado, os urubus em cima da caixa d´água do prédio ao lado. Ali ele tinha uma visão privilegiada porque era o único terreno aberto no centro da cidade, cercado por prédios. O homem espalhou pedriscos, mantinha sempre limpinho e fechado o banheiro, não tinha um dia sequer a reclamar de dores, da família, do presidente, do vizinho, da esposa, de quem quer que seja. Estava em alfa.
Fugia do ócio como o diabo foge da cruz. Sabia que não adiantava ficar parado e que era preciso se mexer, conversar com as outras pessoas, exercitar a fala, se fazer ouvido e ouvir. Mais ouvia do que falava e o seu jeito nordestino de ser encantava as pessoas. Os clientes sempre davam bonés novos, fazendo propaganda deste e daquele. Não se importava com isso. Era chamado, carinhosamente, como um paizão, de “seu Jundiaí”, pois, sempre dizia: “eu estou aqui (...)”.
Sob frio, calor, sereno, chuva ou crepúsculos maravilhosos, todos os dias seguia a rotina de abrir os portões, receber as pessoas e seus carros e fechar os portões na boca da noite.
Mas o seu estilo manso e simpático encontrou resistência. Sempre há um algoz no caminho das almas bem aventuradas. O patrão quis montar um lava-rápido e achou que o funcionário não teria jeito para a nova empreitada. Dispensou-o. Mas isso não foi motivo de tristeza, de maneira alguma. Disse que a partir daquele dia ia ficar jogando pedras na rua em frente da sua casa. E assim o fez. Tanta sabedoria, tanta honestidade, tanta sinceridade e simplicidade se resumindo a um homem sentando no banquinho lançando pedras ao léu. Ele conta que era divertido. As pessoas pensavam que ele tinha enlouquecido e ria do que os outros interpretavam. Ele movia as pedras como a vida surpreende e aplica suas lições. Não se sente frustrado. Afinal, é melhor jogar pedras na rua do que ficar doente, agüentar um patrão chato ou ter que trabalhar na roça. Mas as pedras estão se acabando para ele. Será que a vida se acaba como as pedras?