Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Cobertor de orelha

A mãe Natureza é pródiga e perversa. O frio expõe a fragilidade humana e os mamíferos buscam proteção para se aquecer junto com os de sua espécie.
As pessoas vestem agasalhos, fecham as casas contra os ventos, comem e bebem o típico: uma sopa, uma macarronada, um chocolate, um bom vinho.
Reunido com a família ou com os amigos, o frio estimula um diálogo maior. Pudera: o homem conversa consigo mesmo, canta ao léu, para sua alma, não contém a língua solta, uns mais e outros menos, então nem é preciso imaginar o palavreado que se ouve nos grupos...
A orelha de alguém sempre vai estar ardendo, aqui ou na Patagônia. A Natureza humana é assim e não há como mudar. A face rubra pode não ser apenas resultado do vento frio, mas da vibração proveniente de alguma língua preta. Conversa fiada e imaginação, ambiente para muita obra maluca e irreverente por aí afora. Histórias e estórias, geladas e quentes...
O comerciante sorri: “a gente economiza perfume com este frio (...) não precisa tomar tanto banho”.
Outro reclama: “espero que esse frio vá logo embora senão estou morto!”. É o costume de reclamar, faça Sol ou chuva.
Os comunistas, não os michos, não gostam de tomar banho todos os dias, ainda mais com este clima.
Aqueles privilegiados visitantes das cidades marxistas viram temperaturas abaixo de zero e neve sobre quase tudo. Um desafio para o “tropicalista”. Sim, a maioria dos comuna já passou muito frio, com exceção, lógico, dos fãs de Fidel que trocaram a Rússia pela Cuba. Bonecos de gelo ou charutos, eis a questão, diria Shakespeare pós-modernista...
Na Europa, contam, tomar banho todos os dias é um luxo. O óleo da pele mantém o corpo aquecido. “Essa coisa de tomar banho todo dia é mania de brasileiro”, comentou um marxista. O frio, na realidade, não escolhe ideologia política ou partidária e muito menos classe social, embora os pobres, lamentavelmente, sofram mais em qualquer clima.
O vento frio sangra os lábios e a articulação do verbo. Os pêlos arrepiam-se e o totó, quieto no canto sobre folhas de jornal, não quer saber de barulho. As folhas da Sete Copas caem. Uma mulher mandou decepar a árvore no tronco. Ela detesta varrer a calçada com folhas secas.
A dona de casa reclama para lavar roupa e a louça, implorando para os filhos sujarem menos. Os adeptos do “sabonete não” usam meias sujas, tênis e botinas sujas e riem, como hiena, do próprio chulé.
O vovô, engraçado, foge do banho nos dias de calor, nos dias de frio fecha-se no banheiro e rodeia o chuveiro escorrendo água para enganar a torcida. “O que os olhos não vêem, o coração e o nariz não sentem”....
A sauna é uma boa opção, mas mudar assim abruptamente de temperatura pode ser perigoso. O ambiente de homens ou mulheres em pequenas salas superaquecidas, para os menos liberais, não é confortável.
A temperatura baixa pode não ter graça nenhuma, mas é divertido ver pessoas esfregando as mãos: “que frio! brrrrrrr...” e outras contrariando: “você é um frouxo, não agüenta um friozinho desse...” Olhando seus agasalhos, o corneta chato comenta: “se vier o frio que você está esperando, nós vamos virar picolé”.
Os gaúchos tomam mate com maior sabor e o tereré gelado mantém um público fiel.
Os cervejeiros (alas!) dão uma trégua não de beber mas para os donos de botequins. Reclamam menos da garrafa quente, embora se queixem do líquido congelado...
Até o olhar, por falta de uma referência melhor, se torna frio, angular e embaraçado.
Caro leitor (a), uma sugestão, se a temperatura estiver baixa: não abdique de um bom agasalho e de um gostoso cobertor de orelha, este, aliás, é uma excelente opção em qualquer temperatura, embora existam aqueles que não gostem...
O verbo e a imaginação, confessam, são friorentos. Ainda mais ausentes de Dionísio.