Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Mineiro forte

No dia 16 de julho de 2003 partiu Francisco de Paula Vieira, 83 anos.
Viajou para outras veredas mexendo o negócio do gado, ofício ensinado pelo pai, o “seu Juca”.
Procura levar, depois de muito trabalho, uma vida mais tranqüila, deixando saudade, admiração e respeito. Cavalga sem pressa, olhando o útil, o inútil, atento ao perfil de uma nova boiada. Conhece o rebanho como a palma da mão. Conta animais com a mesma faceirice de um menino apreciando as bolinhas de gude.
Nos leilões, senta, observa as ofertas, dizendo não ao garçom com uísque porque negócio não combina com bebida. Aliás, para ele, bebida não combina com nada de bom.
O mineiro forte sabe das coisas. É um homem sem vícios, dedicado à família, suando a camisa como o mais humilde homem.
É um senhor com coração bom, pai dedicado, carinhoso, amigo e companheiro. Construiu uma família sólida e eu, particularmente, tive o privilégio de conhecê-lo desde a infância.
Não sei ao certo qual a imagem que ele fazia sobre aquele garoto que passou dias maravilhosos em sua casa, mas vi-o como uma referência, sempre. O respeito é tratado como coisa séria no convívio dos Vieira e isso contribuiu para forjar o caráter daquela criança que um dia entrou no seu lar ao lado da mãe recém separada e buscando trabalho.
A fábula de João e Maria ajuda a compreender a necessidade de se ter uma sombra amiga para proteger contra o Sol escaldante.
Pois o “Seu Francisco” deixa mais do que saudades. Deixa lembranças e corações partidos, o significado da ausência de alguém que se gosta. Ele presenteou aquele adolescente com a primeira bezerra, com o primeiro chapéu e era paciente quando o levava para passear e cavalgar em suas fazendas. Cedeu o seu lugar no clube da cidade para o garoto aprender a nadar, ter boa saúde e se divertir bastante.
É impossível esquecer as coisas boas transmitidas por ele, entre outras mais, a honestidade, a gratidão.
“Seu Francisco” viaja deixando muitos amigos do lado de cá torcendo, orando e acreditando que a vida, para um mineiro forte, jamais tem fim, pois, as pessoas especiais, semeadoras do bem, são eternas e protegidas por anjos de Deus.
A biografia dele reúne, se quiser, uma prateleira da biblioteca. Poucos têm o privilégio da sua conversa. Esses poucos podem dizer muito sobre ele.
Lembranças aguçam o imaginário e fazem os familiares e amigos refletirem sobre a vida, sobre o mundo, sobre as mudanças que todos estão sujeitos.
Montado, deve estar passeando por campos verdes, faceiro, sorridente, em comunhão com a natureza. Todos os grandes homens deixam sólidas lições e ele se insere nesse contexto. O leitor pode não tê-lo conhecido, mas já pode fazer uma imagem dele cujo nome, certamente, pois, a família é bastante católica, foi uma homenagem a um outro grande homem, São Francisco de Assis. Quase todos os “franciscos” são inspirados no amigo dos animais e dos pobres.
Deixemo-lo seguir sua trajetória de luz em paz, na esperança de receber notícias vindas de algum lugar distante. O mineiro forte viajou por quase todo este País, mas ele deseja conhecer novos locais, pessoas que alcançaram o mesmo estágio de serenidade e iluminação.
O mineiro forte tem uma companheira também forte, a dona Lúcia, a segunda mãe daquele mesmo garoto. Paulo, o filho, herdou a observação, a firmeza nas atitudes, a coragem, a sensibilidade, a mesma bondade e retidão.
Enquanto abanava o lenço branco vendo o “seu Francisco” partindo, tive a certeza que um pedacinho dele ficou dentro de mim.
As partidas, muitas vezes, como ilustrou um colega, são como a interpretação do Alcorão ou da Bíblia. Há os que preferem as bombas; há os que preferem a oração, o diálogo; há os que vivem olhando e comprando camelos, compenetrados nos mistérios e no silêncio do deserto.
“Seu Francisco” apenas dobrou a esquina atrás de novos desafios hercúlios.