Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O que o medo não faz...

Severino comprou um jegue e pagou caro, algo em torno de R$ 4 mil, de boa laia, reprodutor de qualidade. Soltou o animal na fazenda e gostava de exibir a bela aquisição, mostrar detalhes. Sonhava com mulas e burros, estéreis, mas fortes para o trabalho no campo, levam maior carga e se cansam menos que os cavalos.
Acabou se habituando com o animal, mesmo porque esta espécie é difícil de ser encontrada por estas veredas.
A fazenda preserva várias áreas nativas e possui um rio piscoso na divisa, com capivaras, queixadas, dourados, pintados, pássaros de várias espécies, macacos, formigas, mutucas e onças ferozes que volta e meia abatiam bezerros e assustavam os bichos.
Severino “borrava” de medo das onças, mas gostava de caçar à noite queixadas, capivaras e tatus. Em uma noite escura, sozinho, próximo à mata, avistou, de longe, aquele vulto se aproximando. “É uma onça”, pensou, causando um calafrio no espinhaço. “É mesmo”, pensou de novo.
Ajeitou a garrucha e, bom de tiro, acertou em cheio. Não quis ver o estrago. Preferiu deixar para o dia seguinte. Chegou a ver até as pintas da baita. Cavalgou até a sede da fazenda, onde avisou a família e dois irmãos que tinha matado uma onça.
Na manhã seguinte, foram ver a onça morta e lá estava o jegue, com o corpo rígido e as patas para cima. O tiro acertou bem na testa. Quebrou a cabeça ao meio.
Os irmãos começaram a rir. “Onça né? Que baita onça!”. Como eram apenas os três que tinham visto a cena, Severino pediu para os irmãos guardarem o episódio em segredo, senão todos na vila iriam ficar caçoando. Se perguntassem do jegue, diria que tinha vendido o animal para um fazendeiro de longe.
Mas os irmãos não agüentavam de tanto rir. “Onça nada, era o jegue, coitado do bicho, morto por engano e ainda ficou com as patas viradas para o céu, clamando por piedade”, comentou um deles. Deram boas gargalhadas, zombando do medo do irmão mais velho que matou um animal de estimação. “Ele quase se borrou acreditando que era uma onça em sua direção, e era o jegue vindo ao seu encontro porque ele gostava de ser acariciado pelo dono...”.
Chegaram em casa com um fino ar de ironia tentando manter o segredo, mas não agüentaram a coceira na língua e espalharam a história. Em pouco tempo toda a vila ficou sabendo e os moradores que ainda não tinha ouvido o ocorrido do próprio Severino, interpelavam-no sempre que podiam. O homem contou a mesma história por várias vezes, assim quando a pessoa quebra uma perna, engessa, e todos querem saber como aquilo aconteceu.
Severino continua com medo da onça, lógico, ele não é bobo e sabe que no mato não se pode cochilar tanto com a onça e nem dar chance para a sucuri e para a boca de sapo.
Mas a cena do seu animal de estimação estirado no chão lhe marcou por muito tempo. Ainda não tinha conseguido nem sequer fazer uma cruza, teve prejuízo e ainda foi apelidado de “Severino do Jegue”.
Quem mandou ir no mato querer caçar os animais silvestres, inofensivos, sem chance para a garrucha do homem. A natureza prega suas peças e, assim como se atribui a Deus, “escreve certo por linhas tortas”. O medo faz o homem ver coisas que não existem. Severino que o diga!