Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A nossa Maria Bolacha

O cronista Ulisses Serra, o Machado de Assis de Mato Grosso do Sul, segundo o saudoso acadêmico Elpídio Reis, conta em seu livro “Camalotes e Guavirais”, cuja segunda edição saiu em 1989, a história de Maria Bolacha e Josetti. Resguardadas as devidas peculiaridades, ainda não encontrei semelhança local com Josetti, mas sim com Maria Bolacha.
A Maria Bolacha de Ulisses, baixa e gorda, com andar de papagaio, era zombada pelos garotos e não se intimidava em esticar o chicote para exigir respeito.
A nossa Maria Bolacha não é nem baixa nem alta, tem os cabelos louros compridos, encaracolados, uma gordura sobrando, anda com uma desusada túnica marrom, sempre carrega uma bolsa e caminha para cima e para baixo como se estivesse em constante exercício para melhorar a respiração, livre da chacota juvenil.
Não usa chicote, mas o seu olhar reprime, a sua fala impõe valores nem sempre bem compreendidos. Não sei como sustenta uma carteira de clientes para seus produtos de beleza, mas é um tipo folclórico arrastando-se pela Onofre Pereira de Mattos.
A Maria Bolacha de Ulisses, velha, e a nossa nem tão velha assim, impunha dignidade. A Maria Bolacha de Dourados tem, segundo os mais antigos, uma história de dor e desilusão.
Ela era uma mulher muito bonita, desejada, disputada pelos príncipes. Mas acabou caindo nas mãos do demônio e daí em diante o seu trauma se tornou uma obsessão, um comportamento arrastando-se por três décadas.
Uma vida perdida em sua própria tristeza, mas com certeza a felicidade não lhe abandou por completo, pois, como a natureza, a bondade sempre é abundante. Talvez teria sido menos pior ouvir os garotos zombarem o andar papagaio e o tipo estereotipado. A borboleta não escolhe ventos. Seria um vaganau diferente, segundo Ulisses.
A nossa Maria Bolacha, até onde se sabe, se fechou em um mosaico de preconceitos. Ela encontra alegria onde um cidadão normal vê amargura.
Continua por aí queimando calorias pelas ruas, entregue aos olhares indiferentes e indisposta a um pretendente, pois, não tem mais dotes para Cinderela e não deseja ver seus cabelos serem confundidos com os de Rapunzel. Ela tem mais de Emília.
Deus deve até hoje estar se perguntando se o sexo foi uma boa criação. A experiência com o cavalo marinho ainda não convenceu plenamente. A nossa Maria Bolacha deve ter uma versão bem interessante a respeito disso, assim como outras “Marias” sofridas, pois, a alegria é uma estrela radiante dividida pela Lua, pelos quartos escuros e pelos sonhos.
A nossa Maria Bolacha tem uma vantagem. Pelo menos ela não fica por aí em prantos. O seu choro talvez seja restrito ao seu quarto de hotel. Ninguém precisa saber de seus descontentamentos, pois, ao contrário de Raul Seixas segundo o qual o sonho que se sonha junto se torna realidade, o choro coletivo só serve para aumentar as águas do ribeirão.