Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

As máquinas e a ferrugem

         Quem nunca teve um carro velho não sabe como é.

Um poeta cujo nome não me ocorre teria dito que o homem tem paixão pela máquina ou algo assim. Mas a máquina em questão poderia ser a de escrever ou o computador e não o carro não é mesmo leitor?
          Se o homem é um poço de paixão e ódio seria razoável deduzir que ele imprima ou pouco ou muito desse comportamento em seu veículo.

O sufoco que se passa com uma lata velha vira piada.

O Adolfo, lá do Bar dos Amigos, que o diga. Sofreu barbaridade com um Fiat Prêmio ano 85 marrom apelidado carinhosamente (ou não?) de “castigo”.

Aproveitou o momento de inspiração etílica para batizar os outros carros velhos dos bêbados que frequentavam o estabelecimento.

A Belina 77 também marrom do Bigode virou a “lacraia” porque os pneus desiguais na parte traseira faziam o carro dançar e vibrar...

Um Scort abalroado por todo lado e cheio de remendos passou a se chamar “cicatriz”; uma Brasília cujo dono era bastante zeloso foi apelidada de “preservada”; um Fusca com rodas largas que um dia o dono largou desengatado na frente no bar e o carro foi beijar uma árvore passou a ser o “rebelde”; outra Brasília recebeu o nome de “tilanga” porque era muito esquisita e assim por diante...

Quase não paravam, naqueles tempos, carros novos em frente ao estabelecimento. Vez ou outra aparecia algum figurão com sua máquina reluzindo ouro.

Lugar de pobres, pinga fiada, salaminho, dobradinha e diversão de montão...

Uma ilha de felicidade...

Outro dia estava lá o pai do “rebelde” fulo da vida tentando dar tranco no carro e nada... Para quem até bem pouco tempo andava de bicicleta era o preço que se pagava por ter um carro velho e mal poder abastecer o que dirá fazer a manutenção... Manutenção era dar uma lavada básica de vez em quando com a água cheia de cloro da torneira de casa...

Tive um Fusca 72 amarelo por 12 longos anos e bota longos nisso... Retifiquei o motor umas três vezes e passei muita raiva com ele, mas também me levou a muitos lugares e fizemos até uma viagem de ida e volta de 1.300 km com toda a família dentro... Loucura...

Teve um período em que os pneus velhos furavam toda hora – na verdade, era a roda velha cheia de ferrugem que comia a câmara-de-ar – o cabo de acelerador vivia arrebentando e o assoalho era uma peneira: tinha-se a perspectiva de acompanhar o passeio vendo-se o chão passando com o benefício da ventilação natural e a poça d´água e gravetos entrando sem pedir licença...

Inspirei-me nele para escrever o “Fuscachambó”, uma mistura do fusca ridículo que queria virar um pomposo Simca.
          Alguns frequentadores do recanto ainda têm carros velhos.

O Adolfo, para quem perna de grilo é uma festa, diz que no bar dele amigo não tem preço, mas tem conta a pagar...

- Professor! A vida é assim mesmo!...

Ele não tem mais o “castigo”. Agora anda a pé.

Sempre houve uma relação forte entre o homem e o carro seja por necessidade, status, enfim. O carro é uma extensão da próxima alma.

Se meu Fusca falasse...

Ah! se meu Fusca falasse...

Quem sabe ele esteja trolado em qualquer ferro-velho por aí...