Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A Goreti

Os garotos do basquete têm algo em comum: a Goreti.
Ela é companheira de todos e como o espírito do grupo é solidário, um por todos e todos por um, um dia ela está com fulano, amanhã com sicrano e assim vai sendo feito o rodízio...
Tempos pós-modernos.
A rapaziada não se importa em dividi-la, muito pelo contrário.
Nenhuma outra do grupo conseguiu ganhar um nome de família, elegante e simpático. Forte, robusta, cunhada em lavra firme, põe para trás as patricinhas...
Enquanto os rapazes realizam os treinos, ela fica ali no cantinho da quadra pacientemente ora acompanhada, ora sozinha, aguardando o final para ouvir comentários saborosos e cheios de vantagens do tipo: “Ah! Eu fiz 20 pontos!”, “Você viu aquele arremesso? Massa né? Decisivo... Matamos a pau”...
Conversa sadia entre jovens atletas...
Ouve sobre as paqueras, as namoradas, os assovios para a gatinha que vai passando, sobre o tênis de marca, sobre um beijinho roubado...
Ela se mantém em absoluto silêncio! Dizer o quê? Saber as fofocas já tá bom...
Na realidade não sei direito se o nome dela é Goreti ou Gorete ou se é com “th”.
Gorete, segundo o tio Aurélio, é um peixe da costa atlântica brasileira.
Ela não é um peixe. Mas é um peixão!
Fiquemos então com “ti”.
A Goreti tem aparecido mais vezes lá em casa.
Os garotos do basquete trocam de coisas entre si com um desprendimento inspirador. O que tem mais compartilha com o que tem menos. Num dia um usa o tênis do outro, o que ficou com o tênis empresta o short para o companheiro e assim pratica-se uma associação bonita de se ver porque não alimenta, ainda bem, o egoísmo.
Ela, a Goreti, não se importa. Ela é de ninguém e é de todos ao mesmo tempo.
Esses dias perguntei ao Júnior a origem do nome. Ele respondeu que foi durante uma disputa, uma corrida, coisa assim... 
Cheguei a contribuir para a compra de um simbólico adereço para ela. Ouvi o comentário do compadre Filó sobre um tio dele, morador na linha 25, cortador de erva-mate que um dia apareceu em casa com uma Goreti.
Surpreendeu a todos. Era um luxo.
A maioria das pessoas certamente já teve uma Goreti.
Dias de garoto, dias felizes e espontâneos cheios de sonhos livres do piolho capitalista que contamina a vida adulta...
A Goreti está bem cuidada. Usam-na, mas zelam bem dela como se fosse uma jóia e ela é mesmo uma jóia. Patrimônio do grupo.
Não há nada de mal nessa forte amizade. Não há devassidão.
Os garotos não correm o risco, pelo menos nessa relação, de arder no mármore do inferno.
Explico: Goreti é o nome da bicicleta velha, mas boa como ela só!