Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A galinha e o Varti

O Varti tem uma galinha. Mas a galinha não é dele. É da vizinha. A cocoricó pulou o muro e não quis mais sair do espaçoso quintal do Varti, onde ela cisca, cisca e cisca.
De penugem amarelada, poderia permanecer naquele espaço. Ela conseguiu ganhar a simpatia do Dragão, um cachorro feroz que fica amarrado de dia e é solto à noite. Ele quebrou a asa de uma outra galinha que tentou pular o muro.
A cororicó, no entanto, está dando trabalho. Varti colocou uma tábua escorada no muro para ela subir e voltar para o quintal dela e um dia lançou-a para o lado da vizinha. Mas ela voltou.
Acontece que a galinha se apaixonou por uma chapa de aço usada para fazer lanches e não pode ver uma porta aberta que entra na casa, sobe no sofá, fica ciscando a napa ou então se esconde debaixo da cama ou do armário da cozinha, onde fica quietinha, quietinha.
Ela quer porque quer botar ovo em cima da chapa de aço guardada em cima de um botijão de gás, em um local inclinado, na área de acesso à cozinha.
O Varti até que gosta dos ovos e não se importava com a galinha se não fosse o barulho que ela faz na hora de botar. Inicia o cacarejo por volta das 9h e canta forte até às 11h, quando sobe na chapa e bota o ovo. O primeiro, com o impacto, quebrou e ficou ereto. O segundo caiu e lambuzou o chão. Ela não sossega enquanto não cumpre a sua obrigação matinal.
Varti está intrigando com isso. Ele não quer causar nenhum mal à galinha e não deseja cozinhá-la. Pode pegar mal com a vizinha. Mas a cocoricó está enchendo o saco, além da péssima mania de querer entrar na casa. A vizinha parece não estar incomodada porque não procura a fujona. Têm outras em seu galinheiro.
Mas os amigos do Varti, a esposa e os filhos estão se divertindo com a situação e fazendo comentários por analogia. Dizem que a galinha na verdade gostou dos olhos verdes do Varti e, por isso, quer botar um ovo com aquela mesma cor. Talvez seja o bigode inspirador de respeito, altivez. Todos os dias, antes de subir na chapa, a cocoricó fica rondando o Varti sentado na cadeira preguiçosa e canta, canta, às vezes desconfiada, às vezes debochada, maliciosa. Ela observa-o, mexe com a cabeça para um lado e para outro, cisca aqui e acolá, cata piolho, vai lá para frente da casa, sonda o ambiente para ver se encontra uma porta aberta e depois volta para o quintal do fundo. O Varti olha para a galinha, resmunga e sorri. “Mas que bicho danado! Não sei o que fazer!...”.
Ele avisou: está perdendo a paciência. Não vai ficar limpando a sujeira de ovos quebrados. Ele até preparou um local mais apropriado para ela botar, com palha, folhas, mais seguro, mas ela só quer saber da chapa de aço, onde ela cisca forte, tentando deixar a sua marca no material resistente às suas unhas.
Ele tirou a chapa de cima do botijão e ela ficou brava, cantando alto, protestando.
O Varti devolveu a galinha em mãos. A vizinha amarrou-a no pé. Agora ele está com sentindo falta do cacarejo e observa-a, discretamente, pela fresta do muro. Acostumou, agüenta!