Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Cartinha de criança

“Querido Papai Noel. Espero que esteja com boa saúde, feliz e sorridente como nas outras vezes que eu o vi na televisão e na frente das lojas balançando o sininho e distribuindo balas e pirulitos. Sempre gostei muito do senhor e acho o senhor um cara muito legal, bem diferente da maioria das pessoas. Não sei escrever direito e por isso quero dizer um monte de coisas e não sei como fazê-lo.
Portanto, vou logo ao assunto. Neste ano não quero carrinhos, nem coisas eletrônicas, nem jogos. Quero fazer um pedido especial, se o senhor me permite. Quero que o senhor converse com os meus pais e peçam para eles pararem de brigar. Eu fico muito triste quando vejo os dois se entendendo e falando alto, com um tentando colocar a culpa no outro por causa de erros, despesas, porque eu estou crescendo e ficando muito respondão, porque vejo mais televisão do que livros e cadernos da escola.
Eles não brigam apenas por minha causa. Eles estão brigando por qualquer coisa. Esses dias por causa do meu cachorrinho que saiu na rua e apanhou do cachorrão, ficando bastante machucado. Meu pai teve que levar o bichinho no veterinário e lá veio a reclamação por conta da conta. Ele disse que minha mãe deveria cuidar para o Jarbas não escapar.
Depois foi por causa da conta alta do telefone, porque comi um monte de doces no armazém do Seu Antônio e a conta aumentou.
Eles parecem que vive para brigar. Andam chatos pra daná. Às vezes a bronca sobre pro meu lado e fico com as orelhas vermelhas de tanto ouvir cobranças.
Papai Noel, porque os adultos são assim? O meu primo disse que os pais deles também brigam bastante, por qualquer coisa. Eu não sei se quando era mais pequeninho, não percebia essas coisas. Mas parece que o tempo está deixando-os rudes e brutos.
O pior, Papai Noel, é que quando chegam as visitas eles se abrem em sorrisos! Porque será que só eu tenho que ouvir, calado, o bate-boca deles? Aliás, apenas eu não. A vizinha escuta tudo, mas não fala nada.
Assim a vida tá ficando muito chata pra mim. Pra que brinquedo se os meus pais me deixam tristes e magoados, não é mesmo?
Eu quero que eles se gostem de novo e façam mais carinho em mim, me dêem mais atenção e não briguem por qualquer besteira. Eu sei que adulto tem muitos problemas, mas criança também tem problemas, e como! Há a escola, as aulas difíceis, os colegas ranzinzas; preciso ficar limpinho e não me sujar nas festas, todo dia tenho que tomar banho, não posso colocar os pés no sofá novo, as moedinhas estão cada vez mais raras e o Jarbas não pode dormir no meu quarto senão enche de pulgas.
Papai Noel, acho que já falei demais e o senhor deve ter muitas outras cartas pra ler. Pense no meu pedido. Obrigado pelo que o senhor tem feito por todas as crianças. Um feliz Natal!”.
Papai Noel leu a cartinha, pensou, pensou e pensou de novo. Aquela não era a primeira queixa desse tipo de uma criança. “O que fazer?”, resmungou. “Eu não tenho poderes para tanto assim, eu não sou Deus...”.
Aí então ele teve uma idéia. Resolveu escrever uma carta para Deus.
“Amado Supremo, Senhor absoluto e misericordioso, venho através desta missiva encaminhar pedido das crianças que estão reclamando do comportamento de seus pais. Elas dizem...”.
Se os Correios não falharam, nesta altura Deus já deve ter recebido a carta de Papai Noel. Deve estar lamentando: “aquela serpente má, ah! criaturinha danada...”.