Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Dois caipiras na Capital

O Caloi e um amigo, ambos corinthianos roxos, para não dizer fanáticos, viveram a experiência de dois caipiras na Capital. O apelido de Caloi deve ter alguma semelhança com a conhecida marca de bicicleta ou então chamavam-no assim porque, como a maioria dos adolescentes da época, vivia solto pelas ruas, engraxando sapatos, humilde, mas alegre naquela cidade ingênua e barrenta de 30 e tantos anos atrás.
Só a paixão pelo futebol explica a vontade de subir em um ônibus em Dourados para assistir uma partida no Morenão, em Campo Grande, contra o velho Operário. Até aí, nada de esdrúxulo se não fosse o fato dos dois simplesmente não conhecerem a Capital.
Foi a primeira vez que saíram do Jardim Itália e pisaram em uma cidade grande e em um estádio enorme como aquele. O estádio da Leda, de Dourados, mesmo nos dias de fervura, não chegava e não chega aos pés da multidão aglomerada para ver o “timão” e os meninos da Capital colocando a redondinha para rolar no gramado, chutar, dar bicudos e levar o público ao delírio com os gols.
Para descerem no Morenão foi fácil porque o ônibus passa em frente, mas depois da partida, além de durante todo o tempo eles se sentirem como estranhos no ninho e com receio de serem descobertos pelos operarianos como corinthianos e caipiras, chegar até à rodoviária foi um drama.
Além de não conhecerem os labirintos da Capital, o dinheiro estava curto. Mal dava para a passagem de volta. A multidão que saiu do estádio se aglomerou nos pontos de ônibus. Gente de cidade pequena tem medo de multidões. A sensação era de que eles tinham um ovo podre quebrado na cabeça porque achavam que todos estavam observando-os. Tolices da imaginação.
Resolveram então procurar a rodoviária a pé. Não tinham nem idéia da distância. Deve ser um percurso de oito quilômetros, aproximadamente. Em vez de pegarem o rumo para o centro, começaram a andar em sentido contrário, para Dourados. Quando foram descobrir já tinham andado um montão.
Encontraram uma boa alma pela rua que estava indo para os lados da rodoviária a pé. “Sigam-me”, disse o estranho. E lá foram os três, com os calos começando a latejar. No meio do caminho, passaram em frente do hotel onde a equipe do Corinthians estava hospedada e havia um certo agrupamento no saguão. Ficaram ali observando alguns jogadores sendo entrevistados e o guia se mandou, deixando-os para trás. “E agora?”.
Mas como gente do interior também tem boca e talvez consigam chegar a Roma, foram perguntando, perguntando e entre uma curva de esquina e outra, finalmente chegaram à bendita rodoviária, exaustos, famintos, sedentos. Ainda tinham 220km até Dourados. Masoquismo para eles é um dropes.
Agora é possível imaginar porque o rapaz, hoje um notório radialista, tinha o apelido de Caloi. Tinha rodinhas nos pés de tanto caminhar. O amigo, servidor público, bem que poderia ser apelidado de Monark para formar uma dupla perfeita, assim como Batman e Robin. O colega recorda: nunca andou tanto na vida naquele tempo em que pobre não possuía tênis e os sapatos eram comprados na liquidação, com notória inferioridade.
História de dois adolescentes douradenses que se aventuraram por força da paixão pelo futebol e espírito de aventura. O Caloi bem que poderia repetir a façanha para diminuir a protuberância abdominal.
Não é à toa que o “timão” se vangloria de ter uma Nação a seus pés. Vai gostar de jogo assim na Conchinchina!