Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O ataque das lesmas

O general Achatina fulica determina que os soldados fiquem perfilados. A batalha pela frente é muito dura e cheia de obstáculos. Ele chama a atenção dos subordinados porque seus ouvidos otocistos não escutam bem. Ordena o ataque para que a glândula pedal produza uma baba fina e se locomova a uma velocidade acima de cinco metros por hora.
- Avante!
Essa é uma breve ficção na forma de nariz de cera. Qualquer semelhança com o horror do Golfo Pérsico é mera imaginação. Li recentemente em um jornal que escargots estavam invadindo as casas do BNH 4º plano, justamente o bairro onde moro. Olhei no fundo do meu quintal e não vi nada além das titicas de sempre da raia e do ban-ban. Mas deu no jornal, com certeza.
Aquele assunto ficou me intrigando. Os dias atuais são definitivamente inquietantes. Estou tão acostumado com a crise, pois, nasci em seus braços nada esplêndidos que se hoje falam em exceção, me sinto à vontade, em casa. Mas uma invasão de lesmas (ou escargots, como queiram) é uma pérola negra. Lógico: a reportagem mostra um desequilíbrio da natureza como qualquer outro, assim como os marandovás alojados na Sete Copas em frente de casa, mas eu fico apenas imaginando, fazendo uma associação de significados e significantes.
A lesma nunca incomodou ninguém, até onde eu saiba, naturalmente. Mas no bairro entupiram tubos de esgoto porque ela chegou pequenina e na saída estava adulta, gorda, estufada, protegida por um enorme caracol. Nunca achei que aquele rastro cruzando a parede e o quintal pudesse algum dia causar preocupação. Um ser desprezível? Talvez nem tanto. Dispensa uma chinelada, isso sim. Ao contrário da barata que exige reflexos do seu algoz. Também pudera. Dar uma chinelada na lesma deve dar um sonoro puuuttttzzzzz! É meleca pra todo lado!
O general chinês deve estar ciente do seu papel, pois, desafia os agrotóxicos e os supersônicos ou então ele está decidido a reviver a epopéia de Antônio João. Um exército de lesmas pode causar um estrago indescritível. No posto de saúde do bairro, tiveram que chamar o encanador.
Mas eu fico pensando que tudo isso é resultado da crise. A vida não está fácil para ninguém. A correria do dia-a-dia, a carestia por dinheiro, por húmus, por quintais úmidos, por paredes inexploradas, realmente é estressante. Faz o corpo mole se mexer, se tornar um pouco mais rígido, ágil. Que o diga o Caramujo Flor!
Mas o pós-modernismo oferece a oportunidade de todos questionarem, de rever seus valores e preconceitos, inclusive as lesmas. Não se pode tirar a razão delas. Mas me admira muito, parafraseando o colega Cláudio Xavier, é ver gente andando tão devagar como se tropeia uma lesma. Não há chicote que dê jeito!