Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Ervalina

Ervalina postou-se em frente àquela estátua gigante da Marcelino e ficou matutando em meio a uma mascada e outra de chiclete.

É isso aí o motivo de tanto disse-que-disse dos últimos dias, com uns falando que a imagem está incompleta e outros que não há nada de errado? Santa ociosidade...

Certo ou errado, a verdade é que aquela cara não é nada bonita, chega a ser assustadora, parecendo mais uma carranca para espantar os maus espíritos e os maus olhados, isso sim, além de fazer criança malvada correr de medo para debaixo das saias da mãe...

Ela já tinha passado pela estátua de Getúlio Vargas e ficou curiosa com o ar de alegria, aquele sorriso, aquele charuto e aquele olhar de alguém que está de bem com a vida... Pensando assim, pode-se concluir que o Céu realmente deve ser um paraíso, si é que Getúlio foi fazer novas revoluções por aquelas bandas, pois, dizem que quem se suicida fica com o espírito vagando por aí... Cruzes, cadê um pedaço de madeira para os três coquinhos...

Depois, ela passou pelo monumento de Antônio João e achou que o artista quis tirar um sarro no tenente deixando-o naquela posição meio efeminada, mesmo sabendo que a intenção foi congelar a imagem de quando o herói recebia os tiros. Ou será mesmo que ele tinha dupla identidade?... Os livros não falam nada de jocoso a esse respeito...

Uma guinada à direita, e aquele imponente ervateiro, um símbolo pra lá de controvertido e engraçado.

Ervalina acha que não há nada de errado com o homenzarrão de argila e concreto armado. Pudera, ela nunca viu um de verdade e se visse ia fazer de conta que não viu, pois, uma moça prendada não deve ficar olhando para qualquer um...

De uma coisa ela tem absoluta certeza: não vão fazer com ele o que fizeram com as capivaras...

Dourados fica até mais charmosa e irreverente com essas estátuas, afinal, uma cidade sem monumentos é como pipoca sem sal, ou seja, fica insossa.

Por todas as cidades onde ela passou, as estátuas estão presentes, homenageando um e outro herói, algum político famoso e nos Estados Unidos, não sabe exatamente em qual bairro, fizeram até uma estátua para um cachorrinho que acordou os moradores de madrugada quando os homens da companhia de energia chegaram para trocar as luminárias e descaracterizar o detalhe histórico do lugarejo.

Se o ervateiro está incompleto, Ervalina concorda. Deveriam colocar um piercing em seu nariz, uma tatuagem no peito, óculos escuros e até um brinquinho nas orelhas, os hippies que ficam pertinho dali iam gostar do extra... Ou melhor, até mesmo uma boina tipo a do Che Guevara... Os petistas, no auge ultimamente, iriam adorar.

Ervalina fica pensando mais um pouco: espera aí, se esse aí é o ervateiro e o nome dela é Ervalina, seriam parentes? Será que a querida vovozinha também tinha que carregar erva nas costas? Erva cabeça de negro ou dessas amargas que a turma bebe a rodo por aí? Seus pais nunca falaram nada a respeito...

Ervalina parou de ficar colocando caraminholas na cabecinha, mesmo porque isso não tem nada a ver. Ela ficou com dó do homem ter que levar tanto peso nas costas e achou que ele deveria ser um preguiçoso. Sim, porque se fosse trabalhador mesmo, faria diversas viagens carregando menos peso e não estaria tentando dar uma de formiga para ficar mais tempo à toa...

Já que criaram um precedente, ela vai mandar uma cartinha lá pra diretora de cultura pedindo para se fazer uma estátua também do índio com palito no beiço, uma do gaúcho a caráter, outra do mineiro dançando catira, do paulista comendo pão com carne, do nordestino com a sanfona do Gonzaga, do paraguaio tomando tereré, arre! De todo mundo dessa miscelânea cultural douradense!

Ah! Não pode faltar a da ervateira porque o ervateiro tem esposa, não tem? É claro que ele tem, imagine um homem forte daquele sem uma mulher para alimentá-lo e cuidar das suas coisas?...

Mas é maldade quando dizem que ele é o Frankenstein douradense ou a semelhança do João Grandão só porque este aqui está no meio do turbilhão político e é alto como ala de basquete... É um monte de concreto com traços e recortes do Cilsão tentando lembrar muita coisa que a gente já se esqueceu, só isso. Repensou: só isso, nesse caso, é pouco ou muito? Ah, essas dúvidas que vivem perseguindo-a... Ah! Se fizessem uma estátua do seu cachorrinho ban-ban ela ia adorar, é o cãozinho mais barulhento e chato da rua...

Você mesma Ervalina, pensou de novo. Não saberia nada desses homens se não fosse o monumento. Será que tem espaço também para se fazer uma réplica do Rolo e da Tina, sim, aqueles personagens moderninhos do Maurício de Souza? Eles são uma gracinha e lembram a galera dos embalos de sábado à noite daqui da cidade e os tipos esquisitos que andam soltos por aí...

Ervalina ri sozinha e acha que está querendo demais. Oras, não custa nada ficar imaginando diabruras e coisas impossíveis só para atazanar ainda mais o pessoal da Funced que adora uma crítica, adora mais um zica torrando seus miolos. O ervateiro vai servir de tema para o Mané, com sua sanfoninha, fazer mais uma modinha daquelas que só ele sabe inventar...

Ervalina para de ficar olhando para a estátua e vai embora, vão pensar que ela está ficando meio maluca se ficar postada ali por muito tempo. Pelo menos, de agora em diante, todas as vezes que ela passar pelo centro, vai esticar um olhar novo para o ervateiro tentando entender algo mais que até agora ela ainda não entendeu direito. Afinal, a vida também é a arte da observação e até que o ervateiro tem lá um toque se simpatia e robustez.

Será que ele era grande daquele jeito em vida? Olha o tamanho da cabeça, das mãos, do peito, dos pés... Deixa de bobagem menina...