Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Psicosedin e José

- Mãe, por que vocês me deram um nome tão estranho com este, Psicosedin? Todo mundo fica tirando barato na minha cara, dizendo que isso é nome de doido. Perguntam se sou filho do Alfred Hitchcock (1899-1980), o pai de “Psicose”...

- Mas meu filho, deixa de bobeira, não dê ouvidos a esses tolos... Você precisa entender uma coisa. Quando eu e o seu pai nos conhecemos, essa história é velha, reconhecemos, nós curtimos muito, muita festa, shows, bebida, rock e daqueles embalos todos veio você, meu querido Psicosedin, não há nada de psicodélico nisso... Diga para os outros meninos que seu nome é homenagem aos deuses egípcios e aos gregos. Tem tanto nome mais estranho como Demóstenes (384-322 a.C.), K-Paciano...

- Mas mãe, por que não José, Josué, Josias, um nome mais fácil, para evitar essa situação ridícula? Sinto-me um bobo da corte, motivo para piadinhas de todo mundo...

- Meu querido clordiazepóxido...

- O que? Que palavrão é esse, a senhora pirou de vez?

- Meu filho, quando a gente era jovem as coisas eram diferentes, a liberdade era nosso lema, o período da pós-pílula e a odisséia da camisinha... Naquele tempo a gente era demais, agitadíssima... Você deveria ter orgulho disso e não ficar se queixando... Você foi gerado em meio a um coito doidão, mas extremamente amoroso, daqueles que a gente sobe as paredes...  Compreende o incompreensível?

- Lógico que não, como eu posso compreender o incompreensível?

- Ah! Você é uma criança inteligente, quando crescer e for homenzinho vai entender essas coisas abstratas, surrealistas, subjetivas, postas nas entrelinhas, labirínticas... Pássaro que voa sem asas, entende? Vou dizer mais uma coisa, você é um bálsamo contra a tensão e a ansiedade, enfim, você é o espírito da paz, da harmonia, do equilíbrio, um iluminado...

O guri tinha desistido da conversa... Não encontrava lógica nessa prosa maluca e não entendia porque ainda tinha que ser alvo de brincadeiras maldosas.

Os mais amigos chamavam-no apenas por “psi”, outros já emendavam para “psiti”... Menos mal.

Na sala de aula, a professora fazia a chamada por números justamente para aliviar o dilema do dito cujo, mas sempre tinha aquele curioso que perguntava:

- Onde teus pais acharam esse nome, eles vieram de outro planeta, heim?

Psicosedin cresceu com esse trauma, com essa celeuma. Mais tarde, chegou a trocar o nome por um José da vida, simples, fugindo das gozações. Era aluno aplicado e bom de química, formou-se nessa disciplina e virou cientista, mas ponderado, sem, no início, aquela cara de descabelado... De doidos, já bastavam seus pais, “beatnick”, pessoas remanescentes dos anos 60 e 70...

Tanto que “moravam” nos consultórios dos psiquiatras e tomava uma cesta de remédios tarja preta para curar a ressaca incurável daqueles tempos...

Mas Psicosedin - ou José, melhor chamá-lo assim - sempre teve problemas com o intestino preguiçoso. Parecia condenado a uma penitenciária, sofria com aquilo, o vaso que para uns é o trono do rei, para ele era um tormento, um inferno, um sofrimento... Vivia tomando laxantes, a ponto de borrar as cuecas de vez em quando em momentos inesperados... Quando se esforçava pela manhã, nada, quando sequer esperava, aparecia um sinal de vida...

José então fez uma grande pesquisa, descobriu uma nova fórmula e batizou-a de “Psicosedin”. Aí sim o nome estava correto, parece mesmo mais uma menção a remédio do que à pessoa. Ficou feliz e reconhecido no meio científico.

Mas o seu drama recomeçou, embora de forma mais amena. Passaram a chamá-lo de inventor do tal remédio e, portanto, de José Psicosedin, mesmo porque já tinha começado a ganhar uma certa feição de meio biruta de tanto estudar fórmulas químicas e querer entender os mistérios da mente humana.

Psicosedin, afinal, ou José, vive bem e não sofre desses males psíquicos, apesar dos estigmas. Continua sendo um importante e aplicado cientista da universidade...

Hoje seu trabalho é referência acadêmica e relaxou-se ao querer entender melhor o mistério da vida. Perdoou seis pais que nunca o deixaram de chamá-lo carinhosamente de “meu psicosedinho...”, apesar de sua indignação.

Esses pais deveriam ser da pesada mesmo...

Depois de ver tanta gente atacando pedra na cruz, já não considera o seu mal tão ruim assim. Pelo menos seu feito tem ajudado muita gente a evitar o pior e fundou uma entidade que tenta conscientizar os pais malucos a não por nomes mais malucos ainda em seus filhos...