Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Entre gladiadoras e divas

Já que a licença poética permite o discurso em primeira pessoa e se aproxima mais um Dia Internacional da Mulher – para a dona Maria, lavadeira que mora perto de casa e até faz um free-lance para nós - o dia da mulher se estende de segunda-feira a domingo – entendo que seria preciso começar tudo de novo. De uma hora para a outra, Deus deveria fechar a cortina para repensar sua obra maravilhosa. Não vão querer me taxar de blasfêmia porque isto aqui é apenas uma ficção, coisa do imaginário...

Em primeiro lugar, seria necessário arrumar uma esposa para Deus para ele ver o dualismo dessa relação e o maniqueísmo em meio ao mosaico de sedução, prazer e parceria. Se a religião, desde os seus primórdios, defende a fé, a igualdade e a justiça, porque as mulheres sofreram tanto durante a antiguidade como escravas, sendo forçadas a se prostituírem e ainda servirem, sem direito a reclamar, a senhores tolos e maldosos dos reinos, incluindo seus súditos e puxa-sacos?

Na semana passada, talvez exatamente para estimular essa discussão, no SBT, à noite, provavelmente na terça-feira, passou um filme com o título “Arena de Sangue” ou “Arena de Morte” – sei lá, isso não importa. O “governador” na época das grandes conquistas romanas era um cara tão ruim e sanguinário que depois de levar à morte quase todos seus gladiadores, colocou as escravas para lutarem em meio àquele espetáculo circense de horror, ignorância e arrogância. Até mesmo a preferida do treinador dos gladiadores perdeu a vida, grávida, nessa batalha estúpida.

Ao longo dos anos, a mulher foi vista como objeto para ficar na cozinha e gerar filhos, com poucos homens tendo a sensibilidade de reconhecer seu lado humano, sua diferença de gênero e talvez sua maior dádiva: a de gerar novas vidas para renovar o ciclo da espécie. Demorou muito até se cunhar o termo “diva” e hoje em dia, salvo as exceções, essa data tem mais um fundo político-partidário e uma lilás intenção secundária do que a própria conscientização.

Lógico que há avanços. Seria um erro não reconhecer, mas a mulher ainda sofre forte discriminação em casa, no trabalho, quando se torna uma bela mulher, convive com assédios de toda espécie, isso para não mencionar o assédio moral que é tão pecaminoso como qualquer um dos pecados rechaçados pela Igreja.

Deus deveria, então, começar uma nova vida assim: casando-se, tendo uma companheira ao seu lado para dividir sua opinião, para não deixar que apenas o homem tenha a palavra dentro de casa lá no Céu. Além do mais, só mesmo uma deusa saberia entender melhor o sentimento, os altos e baixos de uma mulher, de uma criança ou de qualquer outra pessoa.

Mas, a mulher, apesar de todo sofrimento ao longo da existência e como fruto de uma costela do Adão, também é uma obra imperfeita e tem lá seus chiliques que muitas vezes são duros de agüentar.

Com toda certeza, se fosse possível Deus cometer esse “enforcamento” as relações seriam outras, diferentes, seria uma nova experiência de vida, um novo laboratório humano.

Enquanto isso não acontece e é lógico que Deus não vai ler e nem ouvir essas infantis e tolas palavras de um sonhador que, como todo mortal, tem seus defeitos, mas espera e acredita no bem triunfando sobre o mal, a dona Maria vai continuar trabalhando da hora que o Sol nasce até o crepúsculo matutino e aumentando suas varizes nas pernas, outras vão ouvir as tolices de seus maridos que chegam embriagados à noite e valente - pronto para uma nova encrenca - as covardias da vida, tendo salários menores, sendo observadas e olhadas dos pés aos cabelos pelos tarados que andam soltos pelas ruas, tendo seus bumbuns e seios mais avaliados do que gado em leilão, enfim, essas coisas que nem o Espírito Santo, nesta altura do campeonato, vai conseguir mudar.

Agora mesmo a patroa passa perto de mim, quando estou engatando uma quinta marcha para desenrolar esse texto, pede para irmos no “velho” comer cachorro quente e eu, bestamente, digo que não quero sair de casa.

De nada adiantam as súplicas, as campanhas e as passeatas, no dia seguinte volta tudo à estaca zero. Nem o super-homem ou a mulher gato podem dar jeito naquilo que começou errado lá atrás. Quem sabe uma sociedade de hermafroditas, bissexual? Que tal a idéia? Pelo menos eu nunca vi um cavalinho marinho indo à Vara da Família reclamar do outro cavalinho e nenhum deles brincando de “upa cavalinho!...”.

Deus! Tenha piedade de nós, a morte apenas não basta. Viver em meio a uma sociedade tão injusta, chata e com tantas diferenças é dantesco demais.

Por falar em mulher, para não dizer que não falei das flores, a patroa passou aqui de novo e disse que já está esquentando o arroz, a carne e a maionese ta na geladeira... Pelo menos economizei o lanche. Mas pedi para ela dar uma lida neste texto e ela foi taxativa:

- Agora?

- Já! É uma ordem! – olhando para ela, sorrindo.

- Depois em leio...

Parece que agora ela está com preguiça, mas vai para a calçada da frente manter as fofocas em dia com as vizinhas.

Está vendo meu Deus? Você pode até querer levar a sério o meu conselho e fazer o sacrifício de casar para tentar melhorar as coisas aqui na terra, mas vai se acostumando que a vida a dois é mais do que renúncia, amor e reinado (...) Si é.

Lógico que o 8 de março é um símbolo, um marco, um ponto para reflexão. Mas para os pobres mortais, todos os dias são de todos, tanto faz para a mulher ou para o homem.

Ah! A patroa voltou para encher uma garrafa com gelo.

- Quer ler agora?

- Agora eu estou ocupada...