Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Patinho na lagoa

Patinho na lagoa

 

 

Todas as noites, desde em que foi anunciada mais uma festa do peixe, os patinhos lá do lago Antenor Martins, bonitos, feios e remediados, fêmeas, machos e outros que não devem explicações a ninguém, se reúnem em uma fervorosa prece: “Papai patinho lá do Céu, nos proteja, vem aí mais uma festa daquelas, nos proteja dos anzóis, dos humanos que querem pegar peixe à unha e que não enxergam direito e nos acertam...”.

Para um deles, as orações se tornaram ainda mais suplicantes. Reza a hora que o Sol sai, durante o dia, à noite, mais que beata. Na vez passada, um pescador acertou-lhe uma fisgada na asa e até hoje o machucado está doendo. Sangrou bastante e ninguém deu remédio, ainda não montaram um posto de saúde para os patos.

Deram-lhe sim, por conta disso, nome de gente: “Trouxão”, em homenagem ao rapaz de cor parda e abdômen saliente que teve, pelo menos, a coragem de pular na água para aliviar o seu tormento, soltando-o daquele anzol de brucutu que entra e não quer mais sair... Os mais chegados chamam-no, a partir de então, de “trouxinha”...

Eles estão aflitos porque vai acabar o seu sossego e não poderão ficar nem nas casas populares sem paredes e nem no lago porque o que vai dar de pescador ansioso não vai ser brincadeira, ainda mais que no local os peixes estão se trombando um no outro.

A calmaria reinante do ambiente, nesses dias, esconde o apavoramento. Eles já se sentem os donos do lugar por usucapião, isso no mundinho deles, lógico, e não gostam de muitos estranhos. Até que um pouco de gente não faz mal, principalmente aquelas pessoas e crianças que dão comidinha, mas aquele exército empunhando varas como soldados com mosquetões, aquela multidão ávida por um fisgado, ah! Esses sim os deixam doidos...

Adultos e filhotes sabem que não poderão ficar abanando o rabinho dentro da água e muito menos se refrescar nesse verão escaldante. As mamães patas estão preocupadas com seus filhotes ainda ingênuos, cabeças-duras, teimosos e ainda tem outro problema: tem gente furtando seus irmãos de pena para fazer um assado. Já deram queixa para o guarda-pato, mas nada foi resolvido. Se no mundo de gente grande a polícia já não funciona direito, imagine no mundo dos patinhos...

Foram pedir opinião para as capivaras que estão na parte de cima, mas essas, se fizeram de surdas e mudas. Também, o que elas poderiam fazer? Estão com medo de serem sapateadas e levarem alguma pedrada ou chute nos quartos, pois, estão presas ao chão...

O papai patinho lá do céu está pensando em uma solução, quem sabe converse com São Pedro para dar uma ajudinha a eles, pois, a estiagem está brava e com chuva, não tem pescador, a não ser os fanáticos. Ou então poderiam fazer aquilo que Raul Seixas já anunciou em uma de suas músicas: “O dia em que a terra parou...”. Mas como parar esse mundo tresloucado de hoje em dia?

Se depender da propaganda frenética da festa, os patinhos estão é fritos, na verdadeira acepção da palavra, pois, vai dar mais gente lá do que chuchu em cerca de tábua.

Um deles sugeriu a colocação de placas: cuidado com os patos! Não fisguem os patos e sim os peixes! Pode ser que chame a atenção. A ala mais xiita quer uma alternativa radical: que todos façam titicas na beira do lago, sujando bastante a margem. O pato que masca fumo diz que vai cuspir em cima dos invasores. Meleca é com eles mesmos!

Mas reconhecem que eles são poucos contra muitos e não vão ser doidos de dar uma de Antônio João, pois, a única historinha que ficou para sempre é a do patinho feio. Não tem nenhuma falando de levante dos patos, pois, se rebelarem, correm o risco de irem parar na panela!

Imagine se aquela multidão resolve partir para cima da comunidade do assentamento local “Patópolis”? Não vai sobrar pena sobre pena. Foram pedir um palpite para o Tio Patinhas, mas se ele não fosse tão muquirana, daria para comprar um peixe para cada pescador e o problema estaria resolvido. O Pato Donald nem conta e está numa boa lá na Disneylândia.

Huguinho, Zezinho e Luizinho estão solidários e munidos de escoteiros, mas igualmente não poderão fazer nada.

Se tivesse outra lagoa por perto, eles poderiam mudar por alguns dias, mas isso não tem. Sabe-se lá, no final, essa história pode virar uma patada danada. Resta aguardar.

Mas o povo é testemunha que o pato chegou primeiro e, portanto, tem prioridade nessa questão. Será que contratar um advogado pode resolver? Tem advogado para pato na praça? Ou será que tem pato advogado ou advogado pato?

Se tiver, alguém, por favor, avise o povo lá do núcleo da “lagoa patolina” porque eles estão agoniados, desesperados, sofrendo por antecipação...