Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A formiguinha preguiçosa

 

Era uma vez, há muito tempo, em um local não muito distante daqui, num formigueiro mediano, uma formiguinha preguiçosa, bastante preguiçosa.

Enquanto as operárias não se cansavam de trabalhar, andavam para lá e para cá como um verdadeiro Exército, levantando coisas bem acima do seu próprio peso, ela via tudo, observava e bocejava:

- Ai! Que preguiça! – sim, igual ao Macunaíma!

A rainha, com tantos para cuidar, nem se importava com a ovelha negra e deixava-a quieta em seu canto. Nem tudo podia ser perfeito. As formigas também são imperfeitas, tais como os homens...

Além disso, já havia soldados, sargentos, tenentes, majores e coronéis demais naquele formigueiro irrequieto. A formiguinha preguiçosa, quando tinha fome, pegava um naco que estava bem abaixo dela e comia.

Ela desejava, no fundo de suas ambições, ser igual estrela porque as achava livres, belas e graciosas noturnas. Não entendia porque à noite o Sol virava Lua, porque as nuvens negras traziam chuva, porque o vento era irmão do frio – nenhuma outra formiga pensava nisso.

Queria compreender porque formiga trabalha tanto, de dia e de noite, sob Sol ou chuva e nunca tem salário e mordomia. Elas, oras, como todo mortal, também gostavam duma regalia...

Ficava de dia olhando à sua volta e se deixava levar pela preguiça sem fim. Inventava, às vezes, diálogos absurdos com o Sol, com a Lua, com as plantas, com as estrelas, enfim, com todos os seres e astros que são surdos por natureza.

Era por preguiça de ouvir e ter que responder...

A sua fama se espalhou tanto que nem o tamanduá bandeira a queria, ainda mais depois de ouvir a estória de Juca Pirama, segundo a qual quem come espíritos preguiçosos, preguiçosos também fica! E o tamanduá tinha que andar bastante para saciar a sua fome de gigante, devorando formigueiros inteiros...

- Deixa esse espírito preguiçoso pra lá – pensava.

Mas a formiguinha preguiçosa não nasceu preguiçosa. Ela tinha sido trabalhadora quando mais jovem, quando não tinha cultura nenhuma, esforçada, “um touro” de forte, mas de tanto ser vista como apenas mais uma em seu meio, se cansou.

Além disso, ela ficou assim depois de saquear a casa velha com paralipômenos empoeirados, doces e lá passou a ver muita figura e muita história de gente grande, comeu demais, ficou obesa e mudou seu comportamento.

Além do doce a deixar gorda e lenta, aqueles escritos a intrigaram com muitas dúvidas na cabeça e sabe-se, perfeitamente, que cabeça de formiga não é muito grande, o cérebro, quando existe, é do tamanho da ponta de um alfinete. Pronto: entrou em crise existencial. Não sabe se ficou com um parafuso a mais ou a menos ou se entrou em paranóia.

Ao contrário das outras, ela observava, pensava porque as formigas são assim: operárias, obedientes e mordem doído quem fica com o pé perto delas...

Mas queria, mesmo assim, se tornar uma estrela para ficar no céu azulado. Não imaginava que o futuro lhe reservava outra surpresa. Mas a preguiça não permitia que ela tocasse adiante o seu sonho impossível.

Queria ser estrela, mas não se esforçava para tal. Como pode? Assim seria apenas uma formiga, nada mais.

- Aí! Que preguiça!

A formiguinha era preguiçosa, mas gostava de sonhar grande como todo idiota qualquer.

Ela sonhou tão forte um dia e estava com tanta preguiça que ficou até com dor nas anteninhas com alguns fios de aranhinha. Aí pegou mais um naco de açúcar e comeu.

Mas ela não era tão boba assim. Morava em cima de um saco de açúcar e ali tinha alimento para o resto de seus dias.

- Daqui não saio, daqui ninguém me tira – afirmava.

Ledo engano. Um dia aconteceu um dilúvio, o açúcar virou melado e o caldo escorreu orifícios abaixo e sumiu. Ficou sem nada e não tinha mais forças para ir atrás de comida.

A heroína-inseto acabou morrendo de preguiça. A preguiça era tanta que até a morte foi lenta, bem devagar, vivendo mais do que todas da sua colônia. Como tudo que nasce, um dia desaparece, ou reaparece em outro lugar no plano espiritual. A formiguinha morreu, mas a preguiça continuou vagando no mundo terreno.

Lá no Céu, o primeiro atrevimento dela foi morder o dedão de Deus.

Ele deu um berro tal qual trovão.

A formiguinha riu e sabia que já estava morta mesmo, não podia morrer duas vezes.

Deus então, para castigá-la, transformou-a em um bicho preguiça para que toda a preguiça do mundo se concentrasse apenas nesse animal. Assim surgiu o bicho preguiça e a formiguinha renasceu, como fênix adaptado, na forma peluda e esquisita que vive de árvore em árvore, dormindo o dia inteiro.

Essa estória, caro leitor, por mais absurdo que possa parecer, tem um final feliz. Ela pode não ter a menor graça, pode ser infantil, tola. Mas você é um leitor de sorte. Se tivesse sido contagiado pelo espírito da preguiça no começo deste texto, não teria chegado até esse ponto final. E é isso que importa. Imagine só se, como a formiguinha, você se transforma num leitor preguiçoso? Deixa o bicho preguiça com sua sina celestial porque cobra, cobra mesmo, de verdade, que não anda (ela tem perna?) não engole sapo!