Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A coluna quase perfeita

Este é o tipo de situação onde se pode contar o milagre, mas não o santo. Coisa curiosa é a tal da coluna social, uma das seções mais vistas em qualquer jornal. Ela mexe com a vaidade das pessoas, com o glamour, com as badalações, com os lançamentos, feitos bonitos, com a imagem elegante e não há espaço para o patinho feio nesse reino encantado. Para encurtar a história: gente desengonçada não combina com esse meio, além dos pobres, é óbvio, muito embora o jornalista-músico-motoqueiro Ruço cuja apresentação é dispensável no âmbito de Dourados (MS) e quiçá da região, tenha dito uma vez que ele tem vontade danada de fazer uma coluna só de pobres, só das festinhas que acontecem na periferia. Ela acha que daria um bom ibope, mas resta saber se daria lucro...

Mas teve uma vez, aqui mesmo em Dourados, onde um colunista inovou e o assunto teria passado despercebido se não fosse os olhos clínicos de um gerente de padaria habituado a ver o jornal de ponta a ponta, sem deixar escapar o menor detalhe e sempre com humor e irreverência bastantes para apontar uma falha e comentá-la com seus clientes mais próximos.

Quem trabalha em jornal sabe que a correria do dia-a-dia muitas vezes surpreende e leva inconscientemente ao erro, ao deslize, mas o leitor, esse não perdoa e ele está certo. Errado está quem erra, oras!

Não é que o dito cujo colunista escalou o fotógrafo para uma festa elegante – por sinal, um aniversário de garota cuja residência, luxuosa e espaçosa, acabou por concentrar pessoas coroadas do meio político e empresarial, talvez metade do PIB da cidade. E vai chapa para cá, chapa para lá, no afã de agradar gregos, troianos, Helena, Madalena e assim por diante.

As fazendas podiam ser mensuradas pelas roupas das madames e sapatos brilhantes dos convidados, mas como quem nasce para tachinha nunca chegará a ser prego, basta se contentar com o que se tem às mãos...

Dois dias depois, lá estava a imponente e florida página com as fotos dos bacanas, quase todos com um sorriso espumante no rosto e um copo de uísque de boa qualidade. A festa era de criança e não de marmanjo.

Tudo lindo, maravilhosos, imponentes, impávidos e colosso. Além de satisfazer o ego do patrão e do próprio colunista cujo talento para a especialidade é inegável, seria difícil que alguém se sentisse menosprezado ou discriminado, pois, quase todos os poderosos estavam lá registrados na lente da virtualidade, aos olhos dos leitores. Essa página se tornou única não se sabe se por acaso ou não e daí a inovação, a forma anômala de expor, expor, expor e não por.

Quem não gosta de se ver bonito, com a roupa nova, os dentes brancos, os cabelos penteados e bem cortados diante da máquina fotográfica? Com certeza a maioria das pessoas, ainda a sociedade abastada. Entre um gole ou outro, entre um bate-papo informal e um conchavo, ou besteira mesmo comum em festas, na medida que o fotógrafo se aproximava, a pessoa se ajeitava, se alinhava e esbanjava para que todos, na outra ponta, a vissem como uma espécie de exemplo, como uma referência, como um bem sucedido empresário, político ou profissional liberal, como um veículo modelo novo que fica exposto na concessionária, aquele que raramente comete deslize ao orar o rosário em todas as suas contas...

Entre um pãozinho e outro, o gerente da padaria observou algo diferente naquela pompa toda e já tratou de exibir a curiosidade.

- Você está vendo esta festa aqui, todas essas pessoas? Nota algo diferente?

- Não – respondia o cliente pouco atento e preocupado com outras questões.

Um outro cliente, língua-preta, já lascava as críticas em cima dos poderosos, talvez por inveja ou dor de cotovelo, dizendo que este era aquilo, aquele outro era tal e assim por diante. Conversas que se ouvem nas esquinas, cujo vocabulário se torna venal, indecente e, portanto, proibitivo, não cabe aqui ser mencionado. Se for para falar mal dos bacanas e ricos da noite para o dia o verbo, neste salutar exercício socrático, perde a graça... Haja talento para misturar casos policiais com poesia...

Aí o gerente mostrava o detalhe excluído e caia na risada. Para ele, foi o glamour do dia, a diversão maior.

Pode parecer irrelevante esse episódio, mas o gerente com jeito de Frei Caneca estava coberto de razão. Mesmo porque se há um início, meio e fim, fica esquisito suprimir alguma dessas partes de um corpo ou contexto, correto? Fica desconexo, incompleto.

Mas apenas aqueles com olhos de lince poderiam se atentar à dita cuja falha, embora ela tenha sido grave ou, no mínimo, discutível. Acontece que em meio a tantas estrelas daquela festa, ficou imperceptível notar algo de errado.

Mas, aproveitando que a mini-saia já passou dos 40 anos, o erro é este: o colunista estampou, na festa de criança, todos os poderosos presentes, mas se esqueceu de colocar a foto da protagonista principal: da aniversariante! E depois tentou desconversar dizendo que ela sairia no dia seguinte... Tanto que realmente saiu, desta vez com o devido destaque.

Mas não é necessário ser tão implacável com a coluna que um dia foi quase socialmente perfeita. Quem nunca errou na vida é porque nunca existiu!

Não há nada que passe despercebido aos olhos daquele gerente cujas falhas, obviamente, ele se esquiva.