Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A tolerância zero do

A tolerância zero

do “seo” Antônio

 

O sanfoneiro Adão Cavalheiro conhece o “seo” Antônio como a palma de sua mão, lá de Vicentina (MS), uma região onde a cultura nordestina predomina bastante.

“Seo” Antônio é folclórico, popular e, literalmente, tolerância zero.

Adão narrou algumas passagens que o caro leitor não pode deixar de conhecê-las e se divertir com elas.

“Seo” Antônio chegou em casa com uma galinha congelada, pô-la em cima da mesa, e a mulher lhe chamou a atenção:

- O que você quer que eu faça com isso?

- Oxente!... Solta no quintal para ver se ela cria uns pintinhos...

A mulher já conhece o jeito do marido. Fica quieta.

No outro dia, chega com uma cabeça de leitoa e ela faz a mesma pergunta.

- Mas num é de vê!... Chama as crianças pra faze um cercado aí no quintal e vê se a deixa engordar mais um pouquinho...

Injuriado com a falta de percepção da própria esposa, ele se dirige até a agência bancária para sacar o valor de um cheque das vendas de umas vacas e a caixa questiona:

- O senhor vai querer dinheiro em espécie?

- Não, vou querer tudo em clipe, grampo e borracha aí do banco, dessas de prender o dinheiro... Você não está vendo o cheque? Está pensando que eu vou querer o quê?...

A moça se engasga, fica sem resposta, mas deve ter pensado com seus botões: que homem grosso!

“Seo” Antônio é assim mesmo. É rápido no gatilho como Búfalo Bill e quem o conhece pensa duas vezes antes de falar alguma coisa. Ele levanta poeira verbal metros à frente de um tarimbado repentista...

Aí ele enche os bolsos de dinheiro, pega o carro e segue para Dourados. Na estrada, o patrulheiro pára-o para averiguar os documentos.

- O senhor está indo para onde?

- Oxente “seo” guarda! Se eu estou vindo cá de trás, eu só posso estar indo lá para frente!

O patrulheiro escuta, fica observando, podia implicar com o homem, mas nota que ele não regula bem dos miolos. Mesmo porque se ele estava vindo de um lado da rodovia, só poderia seguir em frente mesmo...

- Está bem, até logo – diz o guarda, entregando-o os documentos.

Passa no posto de gasolina, estaciona na bomba e o frentista, com a maior boa vontade:

- Vai abastecer?

- Não! Você tira a gasolina de dentro do tanque e põe na bomba...

O “seo” Antônio estava mais afiado naquele dia do que naturalmente já é...

Passa na loja de produtos agropecuários para comprar veneno para matar ratos. O vendedor:

- Então quer dizer que o senhor vai levar veneno para matar ratos?

- Ô peste! Mas eu já num disse... Agora eu vou fazer diferente... Eu vou pegar os ratos lá de casa e trazê-los para comer o veneno aqui... Está bom assim?

Inconformado com o mundão cercado por obviedade, pleonasmo, redundância e pessoas que sequer dão o trabalho de pensar melhor antes de falar e se mostram servis demais, “seo” Antônio resolve montar uma barraca de camelô em frente de sua casa, para melhorar a renda no final do mês.

Nisso, passa um garoto e pergunta:

- “Seo” Antônio, quanto é que custa esse relógio?

- São dez mil réis menino...

- Mas a gente pode tomar banho com ele?

- Não, não... Tomar banho a gente toma com sabonete. Onde já se viu tomar banho com relógio? Isso não pode não... A sua mãe ainda não te falou isso?

Sem mais perguntas porque nunca se sabe o que mais pode sair da mente do homem que é “100% tolerância zero”.

“Seo” Antônio dá uma esticada de rabo de olho no texto e lasca:

- Mas como 100% pode ser tolerância zero?

Olha as aspas “seo” Antônio, olha as aspas...