Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A lição da jabota

 

Uma jabota tentava cruzar a rua com sua peculiar ligeireza, em meio aos carros quase passando por cima dela quando um jovem se sensibiliza com o drama do animalzinho:

- Olha um filhote de tartaruga! Vamos pegá-lo, senão ele vai ser atropelado...

O pai tinha passado rente ao pequeno bicho e nem tinha visto, estava escuro...

- Aonde, aonde?

Virou o carro e o jovem desceu e trouxe o réptil...

- Vamos levá-lo para casa!

Chegando em casa, colocaram o réptil no tanque, em meio a um pouco de água, não sabiam ao certo com que alimentá-lo, deram folhas, frutas e um pedacinho de carne.

Só foram ficar sabendo que era fêmea dias depois por uma amiga que logo identificou o gênero. Ainda ficaram na dúvida se é cágado feminino ou jabota, mas pensaram em dá-la proteção e um ambiente tranqüilo e seguro.

O pai alertou:

- Esse animal tem que viver em outro habitat... É uma judiaria mantê-lo em casa e isso pode dar problema com a polícia ambiental...

- Mas se a gente não tivesse capturado, alguém ia passar por cima e matá-lo... Além disso, alguém pode maltratá-lo por aí, querer fazer um ensopado dele...

De qualquer forma, os dias estão se passando e a jabota ganhou até o nome de Jurema, em homenagem ao irmão mais novo cuja ligeireza contradiz a característica do réptil.

Mas o pai, contrariado em ver a Jurema sempre presa, soltou-a no quintal, onde ela andava de um lado para o outro, sempre acompanhada pela cachorrinha da casa que ainda não aceitou a sua presença, tenta mordê-la e quando menos se espera vira-a de carapaça para baixo, deixando-a desprotegida...

Nesse dia, os donos da casa descuidaram alguns minutos, ocupados com os afazeres domésticos e dali a pouco:

- Cadê a Jurema?

Procuraram daqui, dali e nada. A Jurema tinha escapulido, achou o rumo do corredor, do portão e finalmente se viu livre rua afora...

- Melhor assim, quem sabe ela desceu para o córrego e encontrou seu ambiente – comentou o pai.

O jovem ainda se queixou ao retornar do trabalho para o almoço:

- Vocês deixaram a Jurema escapar, depois dizem que ela é lerda...

Olharam na rua, nos bueiros, pelos cantos da casa. A jabota escafedeu-se não se sabia para onde.

Mas como a tradição egípcia da fênix que renasceu das cinzas, à notinha ela retornou, inexplicavelmente, sem se saber de onde ela saiu. Mas com certeza deve ter se escondido nos quintais vizinhos.

- Olha a Jurema ali na rua! – disse a mãe.

- Aonde, aonde?... Perguntou o jovem.

Ela estava vindo, com seu peculiar caminhar, em direção daqueles que a acolheram e deram abrigo. Ganhou um sobrenome: Jurema Bi-bi...

No outro dia, fizeram um cercado com tijolos no fundo, criaram um ambiente artificial e soltaram-na. Vai daqui, vai dali e, num descuido ela escalou a pequena altura e lá estava novamente a Jurema correndo em direção à rua...

- Opa, onde você pensa que vai desta vez, gostou do passeio né? – surpreendeu-a o homem da casa e o bichinho fez um som esquisito como se estivesse se queixando do cerceamento...

Dizem que esses répteis são lerdos, mas essa questão de tempo e espaço é realmente relativa e curiosa. Sob vigilância, a jabota parece não fugir do controle, mas a um instante de descuido, ela simplesmente vira fumaça, desaparece!

A jabota ensina que não se pode virar às costas a ninguém, nem mesmo a uma tartaruga porque nunca se sabe a peça que ela pode lhe pregar...