A pescaria tranchã
Histórias de pescarias e pescadores há muitas.
Então não custa nada acrescentar mais uma ao folclore, não é mesmo?
Nesses embalos a mentira e a verdade dançam juntas o samba do crioulo doido...
Em pleno domingo, antes do almoço, o Valdecir aborda o aprendiz de ermitão no Recanto dos Amigos e pergunta:
- Vamos pescar?
O aprendiz olha para o amigo meio surpreso, indeciso, mas não resistiu ao convite e à oportunidade.
- Vamos, mas quem vai? Aonde nós vamos?
- Eu, o Evaldo, o Adolfo e o Júnior, o filho do Evaldo... Nós vamos aqui pertinho, no Rio Dourado... Amanhã ao meio-dia estamos de volta, o Evaldo tem que trabalhar...
- Está feito.
O aprendiz de ermitão, faceiro, leva o frango assado para a casa, conta para a mulher que vai pescar e o espírito de Getúlio Vargas, do Prestes e do Hiena de Cati baixaram de uma vez só tamanha a brabeza da revolução...
Depois de ouvir #$&%&=?»«~*+ e outros impropérios, o aprendiz arruma suas coisas e zarpa para o ponto de encontro, pois, ele gosta do mato, de rios, barcos, da pescaria em si, embora nem saiba direito pescar com molinetes e não possua sequer varinha de bambu. Nem é preciso dizer que a farra do ambiente é com ele mesmo...
Por volta das 14h o grupo pega a estrada e logo chega à fazenda e ao local do acampamento. A rapaziada tem toda a traia e pode iniciar um povoamento aonde ela chega, desde motorzinho para gerar energia a uma bóia de caminhão que serve de chuveiro.
O garoto, acostumado com aquela lida, dava aulas para o aprendiz...
O tempo foi curto para tanta aventura e tantas tampinhas de cerveja. Não sobrou tempo nem para os mosquitos...
Traquejados na coisa, o Valdecir, o Evaldo e o Adolfo comandaram a aventura e o aprendiz só ali, vendo, assistindo, analisando, com o pensando solto ao léu, com uma espuminha aqui e outra acolá, mais ouvindo do que conversando, pois, ainda é um neófito no meio e não ia correr o risco de dizer besteiras, embora seja difícil colocar travas na língua diante de tanta espontaneidade...
Peixe que é bom ninguém conseguiu pegar.
Os minhocões e as iscas apropriadas amanheceram dentro da água.
O saldo da pescaria foi dois tombos do aprendiz, um no barranco liso e outro dentro do bote dançando sabão, o Valdecir com duas ferroadas de marimbondo no rosto, os cascos praticamente vazios e mais uma aventura para contar no Recanto, um ambiente aonde o próprio freguês marca a conta e tem acesso livre à cozinha, para não mencionar outras regalias inexistentes em outros locais.
Na noite de domingo chegaram o Camargo e o Sub animando ainda mais a festa, ou melhor, a pescaria...
Podem até achar que tudo foi insosso e sem troféus, mas para o grupo afoito, foi tranchã.
O aprendiz de ermitão ainda não tem força para manejar botes para um lado e para outro e jeito para arrumar os apetrechos como quebra-cabeça dentro da carreta, mas ele sabe ficar olhando para as estrelas e imaginando coisas que só o contato direto com o mato pode proporcionar.
Dizem que a alma do homem pertence ao mato e não à cidade, mas é bem verdade que o conforto só se sente quando a pessoa não o tem, assim como o café está para o açúcar.
A pescaria boa não precisa ter peixes.
Basta ter histórias e estórias.