Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Chamem o orangotango!

Aviso aos navegantes: qualquer semelhança não é mera coincidência. É pura fantasia mesmo. O circo está armado.

O á-bê-cê está em plenária para lavar a roupa suja e definir um melhor sistema de valores em seu meio, pois, letras brigam com palavras e o seu mundo está virando terra de ninguém.

A gramática também foi convocada porque enfrenta uma situação idêntica. Entre as suas classes, é o pronome querendo mandar nos artigos, o substantivo tentando se sobrepor ao adjetivo porque acha que sem ele o outro não existe, o verbo anda emburrado com o advérbio, o numeral está com o olho gordo demais, a preposição indisposta e as conjunções e interjeições estão encontrando um jeito para se tornarem flexíveis.

Enfim, está virando uma bagunça.

Não estão aceitando mais os conselhos de ninguém. O povo que se dane e encontre outro vernáculo, pois, seus líderes já banalizaram tudo mesmo e criaram muitos modismos sem pedir licença dentro da casa da coisa correta.

A letra “c” está fazendo campanha porque se considera com mais voto, ou seja, palavras dentro dos mini-dicionários, seguida de perto pelo “a”. Depois vêm outras fortes também como o “p”, o “d”, o “m”, o “e” e o “s”.

Mas elas se esquecem que uma sem a outra se tornam ocas, vazias, sem nenhum significado.

Mas como são egoístas, extrapolam nos xingamentos e as que têm menos palavras estão na retaguarda para ver o que vai sobrar.

A “c” montou em seu cavalo e assediou a “e” com sua espada e chamaram todos para a briga. Dizem ser o cavalo de São Jorge com sua espada enfrentando o dragão na Lua. Espada dura e afiada, não vale aquela dos jardins.

O “p” já sentiu que pode ganhar a parada e como é a mais boca suja do pedaço, está condenando a panelinha, dizendo que as principais adversárias são uma peste, perversas, promíscuas, preguiçosas, podres e vão ver a ponte cair e o papelão que vão fazer.

A seu favor, se diz positiva e política, com a diplomacia de um padre.

Mas existe o terceiro grupo, o quarto e pode até surgir o quinto.

Estão endoidando a cabeça do Faraco Moura e do Sacconi e colocando o estudo de Georges Gusdoff no lixo.

Se a diferença entre os animais e o homem é ínfima, faltando apenas aos primeiros à fala, então o mundo pode mesmo virar de cabeça para baixo.

Se quem tem um olho é rei na terra de cego, quem é mudo vai ser sacerdote na ilha das palavras e letras que não se entendem.

Está preste a ser reeditada a Torre de Babel do pós-modernismo.

Para o humilde e curioso Israel Pacheco, para quem a palavra só é retumbante se falada com veracidade, letra maldita é o “p”.

“A gente fala p o dia inteiro”, explica.

“Dizer que a fala fornece a chave para a entrada no mundo humano é levantar o problema e não resolvê-lo”, observa Gusdoff.

Se o homem é soberano por ter o dom da palavra e dominar sua invenção, então seus tempos de glória podem estar acabando...

Enquanto não se resolver à diferença entre letras, palavras e classes gramaticais e o homem usá-las corretamente e com dignidade, a tormenta vai virar dilúvio.

Talvez seja verdade que o rádio, a invenção que mais emana palavras por minuto, vai anunciar o fim do Mundo.

Do jeito que a coisa vai é melhor entregar o comando para o orangotango. Pelo menos dele se sabem os sons, as reações e não tem rabo!

As letras e as palavras se voltaram agora contra este pobre e confuso autor. Acha que ele está falando demais.

Chamaram o ponto final.