Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O Corcunda da Rua Bahia

As pessoas carregam diferentes pesos de natureza ideológica, física, medos, interpretações de acordo com seus óculos sociais e seus estudos.

Nesse ambiente se inclui o dinheiro em bolsos – não furados, lógico - e contas correntes, compromissos financeiros, familiares, negócios, medos, sonhos, desejos, frustrações, alegrias, fomes, estômagos satisfeitos, enfim.

Lógico que cabe muito mais porque, dependendo do prisma, o ser humano é um saco sem fundo.

A dimensão “pula” para um grau misterioso quando o cérebro se vê incomodado por fantasmas e anomalias genéticas ou adquiridas em função de acidentes, quedas, traumas e uso de drogas lícitas ou não lícitas.

A ciência pesquisa o tema incansavelmente e tanto a igreja católica como a evangélica, a batista, o budismo, a hindu, a esotérica, o espiritismo, entre outros, tem interpretações próprias e semelhantes.

Mas nunca se sabe, ao certo, qual o “cenário” desenhado no contexto dos anormais – ou melhor, quem é normal nesta sociedade maluca?

O corcunda da Rua Bahia, sem desmerecê-lo ou desrespeitá-lo, é um ser instigador. Em silêncio absoluto na calçada, às vezes com caneca nas mãos, outras vezes sentado na mureta, é indiferente à velocidade dos carros durante o rush, ao vento de agosto, à seca, à expectativa da chuva, às pessoas, vive o mistério da escuridão e feliz ou não, está ali para dizer algo.

Seria grito de socorro e não consegue, ao mínimo, esboçar uma única palavra?

Ou será que tarjas pretas aprisionam-no a ponto de querer dizer e não consegui-lo? Seus espíritos desejam aquilo, mostrar à sociedade na forma da carne que um dia, mais cedo ou mais tarde, cada um vai ter seu julgamento?

A tristeza ronda sua áurea.

Talvez outros corcundas existam em pontos diferentes da cidade – na realidade, para bom observador, eles existem sim, mas nem sempre com cacunda.

Mas o que instiga é a cena, o mistério rondando seu interior, sua história de vida, sua doença, o fato dele estar ou não em porto seguro.

O mínimo que se pode esperar de um sadio com conhecimento e formação moral é respeitar semelhantes, contribuir para que não passem privações e perigos, independente da formação ideológica, social ou etnia.

Afinal, todos são ou não são iguais perante a Deus?

O corcunda, talvez, seja um choque, um curto-circuito na consciência dos que o observam.

Ele alimenta dúvidas, fomenta indiferenças e imaginação.

Ulisses Serra falava: uma cidade não é formada apenas por ruas, logradouros, prédios e casas. Há pessoas, tipos folclóricos.

Há adversidades em ziguezague, amizades atraídas no círculo de interesses comuns.

Longe da alcunha dada aos partidários dos portugueses contrários à Independência e muito distante do personagem de Victor Hugo imortalizado como “Corcunda de Notredame” que pagou com a vida o preço da paixão e da indiferença numa sociedade perversa e injusta, o corcunda da Rua Bahia permanece ali tentando encontrar, talvez, a esperança perdida em tempo remoto ou algum lugar da sua rua.

Os sadios, felizes, espirituosos, de fé, orgulhosos, arrogantes, individualistas, materialistas, ricos ou pobres, sonhadores e esperançosos, deveriam olhar para ele.

Quem sabe, um pouquinho da realidade da vida esteja ali.