Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A mesa vazia

A mesa vazia no jardim de inverno quebra um pouco o aspecto meramente paisagístico do ambiente. Pelo menos sob a perspectiva do seu principal observador. Tulipas, bambus, trepadeiras e outras plantas ornamentais trazem muitas lembranças.

O passado não existiria se não fossem as lembranças, as histórias e as estórias sejam elas boas ou más.

A mesa colocada ali para um restrito debate, uma entrevista, lembra cenas movimentadas. O tempo em que ela fica vazia aguça as recordações de momentos calorosos incendiados à base do vinho, da caipirinha ou da cerveja em dias quentes.

Aquele jardim de inverno não existia outrora e, se existisse, certamente jamais ficaria vazia, principalmente nos finais de tarde.

O observador com fios brancos de cabelo esparramando-se sobre a testa e alimentado pelos verões e pela abstinência, ousa apenas soltar uma tragada ou outra naquele jardim. Da sua poltrona e o seu computador e a tevê onde acompanha o noticiário nacional, ele olha a mesa e a memória se enche de prosas, muitas brincadeiras e muitos debates políticos, ideológicos e pessoais.

Quem não vive as peças pregadas pelo tempo não alcançou a maturidade da consciência.

A mesa vazia é uma antítese.

Apenas uma camada de vidro divide os dois ambientes, mas um punhado de calendários coloca os pingos nos is.

Às vezes surge um bem-te-vi assustado que consegue adentrar ao jardim, encantado pelas flores, mas não consegue sair a não ser pela mão amiga do homem forte que mesmo com músculos e a coragem para catar cobras, tem a doçura de livrar um pássaro da arapuca de inverno.

O observador incomoda-se até mesmo em fumar seu cigarro no jardim porque a fumaça contraria não apenas os ambientes laterais, mas até as flores parecem torcer o nariz.

Sobra-lhe, como consolo, olhar, da sua sala, a mesa vazia.

As lembranças ajudam a animar o espírito, a encorajar a alma, a brincar com a consciência e a rever as situações. Quantos e quantos não olham para aquele jardim de inverno e a mesa vazia sem a mínima memória do tanto que eles instigam um passado muito alegre. Podia ter seus erros, mas era muito alegre.

Era, talvez, como palhaço com a roupa rasgada indiferente ao detalhe pequenino para uns e grande para outros fazendo da alma uma tremenda emoção.

A mesa vazia contemporânea é branca.

A de antigamente, cheia, era marrom, amparo para Baco e instrumento de trabalho.

A velha máquina de escrever deu lugar ao computador, mas os dedos, o tino, o faro, a destreza, a esperteza, o raciocínio rápido, a liderança sutil e respeitosa sem ser servil, a humildade e a irreverência continuam os mesmos.

O tempo pode apagar corações e semear rugas, mas ele não consegue passar borrão sobre as lembranças. Deus pregou essa peça no tempo porque Ele não quis deixá-lo o senhor absoluto da razão.

Abaixo Dele, está o homem.

E o homem pensa naquela mesa vazia, naquele jardim chamado de inverno, mas que, pela vontade do tempo, enfrenta frio, chuva e Sol.

O observador olha de novo para o ambiente. Quem sabe as lembranças se transformaram em flores e plantas que, a exemplo do pensamento, não param de crescer.

A mesa não está mais vazia.

Ela encheu-se de recordações circundadas pelo verde, vermelho, verde-claro, cor amarela e alguns bem-te-vis visitando-a de vez em quando.

A mesa vazia, por mais que tente, não consegue fechar o riso, mesmo discreto, de seu observador predileto.