Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

O carrapato ficou na espreita.

Os bichos da fazenda não faziam mais gosto.

Sentia azia de pensar no sangue de bois, vacas, enfim, daqueles grandalhões de couro duro. Outros que o enjoavam eram capivaras, cateto, lobo do mato... Urra! O arroz com feijão...

Seus parceiros não eram tão exigentes. Ficavam empoleirados na carrapateira e quando passava um desatento peão, pulavam alegres para sugar sangue mais fininho.

Era uma farra enquanto a vítima se coçava toda...

Mas o carrapato teimoso queria mais e tinha vício. Desejava sugar com sua mineirice um “trem” diferente, mais ajeitado, que desse maior prazer.

Ele gostava de bebericar...

Desejava saborear sangue com “molho” especial.

Para resumo da prosa: queria sangue emborrachado.

Aí que reside a Pirapora.

Na cidade até que tem bastante gente que faz seu estilo, mas lá no mato não...

Não serviam nem os peões. Estava embrulhado com tanto tatuzinho, oncinha, corote e fumo de corda...

O insistente, então, ficou esperando por mais tempo. Se não viesse nenhuma “carne boa” nas próximas horas, partiria no “bonde” mais próximo...

Caco vem, caco vai, passa cobra de todo tamanho, conversa estica e espicha, toma tereré, eis que surge, lá adiante, um ser interessante em seu alazão imponente.

O fascínio aumentou quando avistou a presa neo-rural tomando, faceiro e tranqüilamente, uma lata de cerveja enquanto cavalgava.

Pensou: “Oba, é hoje que eu tomo um porre ajeitado neste mato de m...”.

O cidadão, olhando o gado, o efeito da estiagem, vai se aproximando.

O parasita formula seu cálculo – nem precisava disso – e dá aquele salto atlético... Sim, no mato eles aprendem a pular...

A bota do cidadão era meio lisa, mas dava para ir se ajeitando. O carrapato vai, vai, vai e consegue o clímax: uma pele fininha só para ele na coxa, perto da virilha. Deu uma fincada e ficou ali, se deliciando daquele urbano. Alimento novo no pedaço, não era carne de pescoço, ainda mais com aquele teor químico à base de cevada...

O intrépido, asqueroso sugador, procurou fazer de tudo para não ser percebido, não causar nenhuma coceira...

É lógico que o cidadão, incomodado pelo vermelhão, logo notou a causa daquela irritação. O carrapato, no entanto, era tão pequeno, tão coisa nenhuma que o homem não conseguiu arrancá-lo com a mão ali no meio do mato, além do lugar bem escondidinho. Precisava de uma pinça.

O bichinho continuou chupando.

Si é verdade que uns nascem para tacha e outros para tachinha, ser tachinha naquela hora teve sua vantagem. Estava achando uma delícia placas gordinhas, maldades em pessoa, colesterol, bondades hipócritas, bestices da mente que acabam escorrendo para o sangue e ele, ali, se enchendo, se encorpando...

Sangue bom com traços etílicos... Ah! Era tudo que ele desejava naquele dia...

Não demorou muito o álcool subiu-lhe à cabeça – carrapato tem cabeça? Esse aí parece que tem...

Ele não queria um quase vinho?

Então.

Sugou tanto, o homem nem percebeu, estufou e se soltou...

Derreteu-se de felicidade no solo pátrio...

Ah! Felicidades efêmeras, passageiras, mas deliciosas. O carrapato não estava mais nem aí para a seca, para as patas das vacas, para aqueles que transitavam ao seu redor, nem para os predadores...

Afinal, quem ia abusar de um bichinho naquele estado, indefeso?

Por algumas horas, era tudo zoeira.

A capivara linguaruda e invejosa, falou:

- Olha lá, o carrapato besta bêbado de novo...

Ele deu resposta malcriada vendo duas delas:

Bêbado não! Feliz e “sastisfeito”... Sua capivara idiota!