Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

A visita do governador

No dia anterior o jovem articulador político ocupando uma função pública separou a melhor camisa, uma amarelinha com listras, uma calça social, fez a barba e se preparou com esmero para a recepção.

As visitas do governador acabam virando verdadeira moagem política, reunindo autoridades, simpatizantes, imprensa e puxa-sacos. É também oportunidade para conversar com o pessoal da Capital, trocar idéias e marcar presença.

O jovem não queria perder a ocasião para aparecer, ser visto e trocar impressões sobre diversos assuntos, mesmo porque representa uma agremiação partidária alinhada ao grupo do governador. O poder realmente agrega, cisca para dentro, muito embora na casa onde mora muita gente acaba faltando pão para alguém e a partilha sempre é desfavorável para os mais fracos.

Nesse meio, sobrevivem os fortes e espertos que manipulam os fracos e ingênuos.

Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores talentos literários de todos os tempos, trabalhou a teoria do Humanitismo em Quincas Borba (1891) quando Rubião, amigo e herdeiro do filósofo maluco Quincas Borba, cuja obrigação, após receber a fortuna, era apenas cuidar do cão do falecido, acabou ficando na miséria depois de ser iludido e explorado pelo casal espertalhão Sofia e Cristiano.

O lado negro da democracia e da sociedade que muitos insistem em ignorar.

Pois bem.

O jovem caprichou, passou a habitual brilhantina para manter o cabelo meio ondulado bem comportado, sem o risco de se rebelar por causa do vento e chegou na repartição na manhã seguinte preparado para o evento.

Afinal, não é todo dia que o governador e seu staff de sapatos lustrosos aportam no interior.

Não apenas esse precavido e simpático jovem, mas outras pessoas fizeram praticamente o mesmo.

As mulheres foram ao salão referendar o lado vaidoso.

A maioria dos que de alguma forma ia trabalhar ou recepcionar o governador, deu um toque especial no visual.

O jovem político logo pela manhã foi abordado por um brincalhão:

- Você está bonito hoje! Por que essa pinta toda?

- O governador vem aí... A maior autoridade do Estado merece ser bem recebida, ver a gente bem vestida, o visual às vezes fala mais do que muitas palavras! – filosofou.

A manhã mal tinha começado e a expectativa era geral no órgão público.

O cerimonial pronto, as equipes de reportagens, o veículo oficial limpinho para transportar o visitante especial, o pelotão de polícia de prontidão, enfim, o aparato no jeito.

Entregar obras ajuda a melhorar a popularidade, é obrigação do administrador mostrar o alcance do seu trabalho e a sua força de realização e solução dos problemas estruturais.

O jovem político ali, ciscando para um lado e para o outro, impaciente para o momento de clímax...

Nem se importou com o tempo.

O dia amanheceu chuvoso e o pessoal da Capital logo telefonou avisando: o governador cancelou a agenda por causa do mau tempo.

A notícia rapidamente saiu nas rádios e sites.

Alguns pontos de entrega estavam barrosos...

O jovem político, talvez, deve ter se sentido igual noiva abandonada no altar.

Pelo menos ele fez a parte dele, se programou e ficou elegante.

Os imprevistos acontecem.

Quando a visita for remarcada, com certeza ele vai repetir o ritual.

Ele não desiste tão facilmente do seu jeito de ser.