Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Soneca gostosa

Alguém, em algum lugar, entre um cochilo e outro, deduziu: dormir é morrer um pouquinho todos os dias.
Nada melhor como uma noite bem dormida e cheia de sonhos para as energias se renovarem no dia seguinte.
A maioria das pessoas dorme no quarto, recanto sagrado de todos os mortais. Até aqui, nada de diferente. Uma criança sabe que o cansaço vence o mais forte homem e todos dormem, uns menos e outros mais, alguns naturalmente e outros à base de remédios.
A exceção fica por conta do simpático e falante mineiro, acostumado a se sentar em uma preguiçosa na frente de sua residência, logo após o almoço, aproveitando a sombra, e ali mesmo tira uma boa soneca, respirando de forma ruidosa.
O gato cinza chega devagar, esfregando-se nas pernas do dono pedindo uma carícia antes de também cair no sono. Os dois dormem como duas crianças, indiferente ao barulho dos carros e das motos.
Isso é para quem pode, não para quem quer. Normalmente a soneca do mineiro e seu “chaninho” – é o nome do gato – é um colírio ardido para aqueles desprovidos da mesma sorte, apressados em sair para o trabalho para mais uma jornada turbulenta à tarde.
Não há nada demais em tirar uma boa soneca, afinal, isso é natural e até faz bem para a saúde. Mas exatamente naquele horário, faz uma inveja danada aos pobres mortais, operários e até certo ponto escravos do sistema capitalista e desigual.
Os dois esbanjam tranqüilidade, sossego, o sono dos justos e mesmo a rua sendo um pouco movimentada, eles permanecem desligados do mundo à sua volta, presos aos próprios sonhos.
Lógico que o mineiro já trabalhou bastante na vida, está prestes a se aposentar e não precisa ficar correndo para não perder a hora no emprego e levar bronca de um chefe chato. Quanto ao gato, bom, este sim sempre teve uma vida boa e não corre atrás dos ratos, apenas se estranha de vez em quando com a turma do “Manda Chuva” lá da rua. Mas bem que ele parece o batatinha...
Pessoas que conseguem assim dormir facilmente e sem preocupações, esticam a longevidade. Dias desses, algumas crianças estavam indo para a escola e passaram pelo local e começaram a rir da cena pitoresca e do ronco...motoristas buzinam para ver se acordam o homem, mas que nada, o mineiro preso à cadeira, o corpo inerte ao sono profundo...nem um queijo rolando ladeira abaixo seria capaz de interromper aquele momento encantador.
Já surgiram comentários preocupados em saber se aquela facilidade para dormir não pode ser alguma disfunção orgânica, mas tudo não passa de especulação. O homem esbanja saúde e apenas nasceu com aquele dom, um talento para deliciosas sonecas.
Não é, obviamente, todos os dias que os transeuntes podem presenciar a cena pitoresca, mas já se tornou uma rotina para seus vizinhos vê-lo ali, dormindo, de boca aberta, e o gato repetindo o exemplo do dono.
Na verdade, os olhares curiosos e invejosos não passam de um impulso natural, assim como a soneca involuntária e necessária. Afinal, uma sesteada é bom demais, mas lamentavelmente nem todos podem curti-la diariamente, se habituar a ela. Luxo para poucos em tempos conturbados, embora devesse existir uma cláusula na Declaração dos Direitos Humanos: “Todos têm direito a uma sesteada logo após o almoço...”
Aqueles olhos que se fecham para a soneca diária já viram sofrimento e felicidade e daí ser muito justo o seu relaxamento diário, mesmo porque ninguém tem nada a ver com a vida dele.
Roncando ali, sabe-se lá sonhando com quais paraísos. Muitas vezes as pessoas fazem juízo apressado e equivocado dos fatos, mas aquele ócio, aquele bocejo são tentadores. Um dia o ermitão chega lá, se Deus quiser.
Bom sono velho companheiro de lutas! Felizes e bem aventurados os homens que, em meio a um mundo cada vez mais maluco, ainda se dão ao prazer de uma soneca a céu aberto.